A biossegurança representa um conjunto de medidas direcionadas à prevenção, minimização ou eliminação de riscos à saúde, contribuindo significativamente para a segurança ambiental mediante o manejo adequado de resíduos e fomentando a conscientização entre os profissionais da saúde sobre práticas seguras.
Nos ambientes laboratoriais clínicos, várias atividades e fatores apresentam potenciais riscos à saúde dos trabalhadores, podendo causar desde alterações leves a condições graves. A manipulação de líquidos biológicos e materiais sólidos, frequentemente fontes de contaminação, requer estritas medidas de biossegurança para evitar contaminações cruzadas, protegendo não apenas o pessoal do laboratório, mas também a equipe de limpeza, os equipamentos e o ambiente.
Entre os principais riscos ocupacionais enfrentados por profissionais de laboratórios clínicos estão os riscos biológicos, que demandam conscientização e treinamento adequado para o manuseio seguro de materiais e fluidos biológicos. Os riscos biológicos são classificados em diferentes níveis, variando conforme o potencial de causar infecções em humanos ou animais, e as medidas de biossegurança devem ser ajustadas conforme essa classificação para garantir a proteção adequada.
Classes de risco na biossegurança
Abaixo, separamos para você, as classes de risco em um laboratório e os principais agentes etiológicos pertencentes a cada grupo.
Classe de risco 1
Representa o menor nível de risco. Inclui agentes que raramente causam doenças em seres humanos saudáveis ou animais. Para os profissionais de laboratório, o perigo de exposição a esses agentes é mínimo, assim como o risco de impacto ambiental.
É uma bactéria encontrada comumente no solo e é considerada inofensiva para a saúde humana.
Um gênero de bactérias igualmente benéfico, essencial para o equilíbrio da flora intestinal e frequentemente usado em produtos probióticos.
Também conhecida como levedura de cerveja ou levedura de padeiro, é amplamente utilizada em processos de fermentação e pesquisa científica sem apresentar riscos à saúde.
Classe de risco 2
Esta classe engloba agentes que podem causar doenças em humanos ou animais, mas cujo risco de se espalhar na comunidade é baixo. Geralmente, existem medidas eficazes de tratamento e prevenção para essas infecções. Um trabalhador de laboratório enfrenta um risco moderado ao manipular esses agentes, porém, com as precauções adequadas, o risco é controlável.
O agente causador do cancroide, uma infecção sexualmente transmissível caracterizada por úlceras genitais dolorosas.
Uma bactéria que pode levar a infecções respiratórias variadas, incluindo pneumonia, meningite e epiglotite, particularmente em crianças.
- Taenia solium e Taenia saginata
Parasitas helmintos responsáveis pela teníase e cisticercose, doenças que afetam o sistema digestivo humano e podem causar complicações neurológicas graves.
Classe de risco 3
Os agentes dessa categoria são de alta periculosidade, capazes de causar doenças graves ou letais em humanos e animais. Embora o risco de propagação na comunidade seja limitado, eles representam um sério risco para os trabalhadores do laboratório. Contudo, existem tratamentos e medidas preventivas disponíveis.
Um fungo dimórfico responsável pela coccidioidomicose, também conhecida como febre do vale. Pode causar desde formas assintomáticas até doença pulmonar grave e disseminação para outros órgãos.
- Mycobacterium tuberculosis
O agente causador da tuberculose, uma das doenças infecciosas mais antigas conhecidas pelo homem. Esta bactéria afeta primariamente os pulmões, mas pode se disseminar para outros órgãos, levando a formas graves da doença.
Esta bactéria é o agente etiológico do antraz, uma doença que afeta tanto animais quanto seres humanos. Capaz de formar esporos, ela pode infectar através de cortes na pele, inalação ou ingestão, levando a manifestações clínicas variáveis, desde lesões cutâneas até formas pulmonares graves.
Classe de risco 4
Este é o nível mais alto de risco, relacionado a agentes que são facilmente transmitidos e extremamente perigosos, potencialmente causando doenças graves em humanos e animais sem tratamentos ou vacinas disponíveis. Representam um alto risco para os trabalhadores do laboratório e para a comunidade em geral.
- Macacine alphaherpesvirus 1
Anteriormente conhecido como Herpesvirus simiae ou Vírus B, destaca-se por sua transmissão zoonótica, originando-se em primatas não humanos e podendo causar doença grave em humanos.
Notório por seus surtos devastadores na África, requer muito cuidado na manipulação de amostras infectadas.
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são fundamentais na proteção contra a exposição a agentes patogênicos, substâncias químicas perigosas, objetos cortantes e extremos de temperatura durante a manipulação de amostras biológicas. O uso de EPIs não só é um direito do trabalhador da saúde, como também uma obrigatoriedade por parte das instituições empregadoras, assegurando o fornecimento adequado e em quantidade suficiente para todos os funcionários.
Para uma proteção eficaz, é essencial que os trabalhadores da saúde tenham acesso a jalecos, luvas, máscaras, óculos de proteção e protetores faciais, todos projetados para criar uma barreira física entre o usuário e os riscos potenciais presentes no laboratório. Além desses, protetores auditivos são necessários em ambientes com equipamentos ruidosos, e máscaras específicas para gases são indicadas durante a manipulação de substâncias químicas voláteis ou em situações de emergência.
O jaleco funciona como uma camada protetora, evitando a contaminação de roupas pessoais e da pele do profissional por materiais infectados. Deve ser vestido ao entrar no laboratório e retirado ao sair para áreas não contaminadas, sendo fabricado em materiais resistentes à penetração de líquidos e apto à descontaminação e autoclavação. A higienização do jaleco deve seguir protocolos rigorosos para evitar a contaminação cruzada.
Luvas descartáveis devem ser usadas para evitar o contato direto com materiais potencialmente infectantes. Disponíveis em látex ou materiais sintéticos, são essenciais desde a coleta até o descarte de amostras, funcionando como uma importante barreira de proteção. Luvas reutilizáveis específicas são utilizadas para tarefas como limpeza de equipamentos ou manipulação de substâncias sob temperaturas extremas.
- Máscaras e óculos de proteção
Máscaras e óculos de proteção são cruciais para proteger as vias respiratórias e os olhos contra aerossóis e partículas. Em procedimentos que envolvem risco de formação de aerossóis, como centrifugação ou pipetagem, seu uso é indispensável. Protetores faciais oferecem uma proteção adicional, cobrindo toda a face contra respingos e contaminações.
Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs)
No que diz respeito aos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs), as cabines de segurança biológica são vitais para a proteção do ambiente laboratorial e dos profissionais durante a manipulação de agentes infecciosos. Com diferentes classes de segurança, esses equipamentos filtram o ar e protegem tanto o operador quanto o material manipulado de contaminações.
Outros EPCs importantes incluem capelas de exaustão para manipulação segura de químicos, chuveiros de emergência e estações lava-olhos para resposta rápida a derramamentos ou contaminações, além de kits de primeiros socorros e extintores de incêndio, essenciais para a segurança no laboratório.
Cuidados a serem tomados no laboratório
No que tange os cuidados com EPI’s e EPCs, as orientações são as seguintes:
- Usar um jaleco de algodão de mangas compridas, mantendo-o sempre fechado;
- Vestir calças longas para proteção adicional;
- Optar por calçados fechados e evitar saltos altos para maior estabilidade e segurança;
- Prender cabelos compridos para evitar que interfiram nas atividades laboratoriais;
- Remover joias e outros adornos que possam se soltar ou interferir nas análises;
- Empregar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) indicados na ficha de informações de segurança dos produtos químicos, que está localizada na pasta sobre a geladeira;
- Utilizar os Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs) quando o procedimento ou o manuseio de produtos químicos assim exigirem, conforme instruções contidas na FISPQ de cada reagente;
- Lavar as mãos antes e depois das atividades laboratoriais.
Descontaminação e descarte
A descontaminação regular das superfícies de trabalho e o correto descarte de resíduos são parte integral das boas práticas laboratoriais, minimizando riscos e garantindo um ambiente seguro.
A manutenção da higiene e a limpeza em laboratórios clínicos são cruciais para a segurança e a eficácia das operações. A descontaminação de áreas como pisos, paredes, janelas e bancadas deve ser realizada utilizando soluções de hipoclorito de sódio a 0,5% para superfícies não metálicas e álcool 70% para as metálicas. Essa limpeza deve ocorrer pelo menos duas vezes ao dia, acompanhada pela remoção de resíduos com a mesma frequência. Importante também é o treinamento da equipe de limpeza sobre os riscos associados e o uso correto de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e Coletiva (EPCs).
Já em relação aos materiais descartados em ambientes de saúde, eles são categorizados em cinco grupos, visando uma gestão segura e eficaz e você deve saber onde cada um se enquadra antes de realizar qualquer descarte no laboratório. Veja quais são!
Abrange resíduos que podem conter agentes biológicos e oferecem potencial risco de infecção (esses são os resíduos mais encontrados em laboratórios de análises clínicas).
Inclui resíduos com substâncias químicas que, devido a características como inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade, representam riscos para a saúde pública e o ambiente.
É destinado a materiais que contêm radionuclídeos provenientes de atividades humanas.
Engloba resíduos sem risco biológico, químico ou radiológico significativo, semelhantes aos resíduos domésticos em termos de periculosidade.
Consiste em itens perfurocortantes ou escarificantes, como agulhas, lâminas de bisturi, tubos capilares e outros materiais que podem perfurar ou cortar, necessitando de cuidados especiais no descarte.
Antes do descarte, os resíduos do Grupo A, que contêm riscos biológicos, precisam passar por um tratamento adequado por meio de processos físicos, como aplicação de calor ou radiação ionizante, visando a redução significativa ou total eliminação de microrganismos. Após esse processo, esses resíduos podem ser colocados em sacolas resistentes à água e manuseados como resíduos não perigosos. Caso a esterilização não seja realizada, é essencial que sejam embalados em sacos de coloração branca opaca, devidamente marcados, sem exceder dois terços de sua capacidade para evitar vazamentos.
Para os resíduos perfurocortantes, classificados no Grupo E, a prática recomendada é o descarte imediato e separado logo após o uso em recipientes apropriados, resistentes a perfurações, com tampa, identificados com o símbolo de risco biológico e a palavra “PERFUROCORTANTE”.
Os resíduos químicos, pertencentes ao Grupo B, devem ser eliminados conforme suas propriedades específicas (toxicidade, corrosividade, irritabilidade, entre outras), mantendo-se a identificação original do fabricante na embalagem. É crucial evitar a mistura de diferentes substâncias químicas devido ao risco de reações que podem liberar gases perigosos.
Resíduos do Grupo D, aptos para reciclagem ou reuso, necessitam de separação em contêineres identificados por códigos de cores para facilitar a segregação: azul para papel, amarelo para metais, verde para vidros, vermelho para plásticos e marrom para resíduos orgânicos.
A clara sinalização dos sacos de acondicionamento, recipientes internos e externos de coleta, veículos de transporte e áreas de armazenamento é fundamental. O transporte manual ou veicular desses materiais deve evitar contato direto com a pele, seguindo rotas definidas e horários que não interfiram com outras atividades essenciais. É vital a capacitação constante das equipes responsáveis pela coleta e o manejo de emergências e acidentes, assim como auditorias regulares para avaliar a aderência aos procedimentos estabelecidos pelo programa de gestão de resíduos.
O que fazer em caso de acidentes?
Abaixo separamos o que você deve fazer em cada situação, siga arrisca e evite complicações.
Derramamento de material biológico
Em situações de derramamento de material biológico sobre superfícies, é necessário cercar a área afetada com solução de hipoclorito de sódio a 0,5%, cobri-la com papel toalha ou compressas e deixar agir por, no mínimo, 30 minutos antes de recolher e acondicionar em recipientes adequados para esterilização e eliminação segura.
Derramamento de substâncias químicas
Em ocorrências com substâncias químicas, deve-se limpar imediatamente, promover a ventilação do espaço e, se necessário, evacuar a área, usando máscaras de proteção durante a limpeza. Materiais usados na limpeza devem ser descartados como resíduos químicos.
Acidentes com objetos perfurocortantes
Para incidentes envolvendo objetos perfurocortantes, a área afetada deve ser lavada prontamente com água e sabão neutro, protegida com um curativo estéril e deve-se buscar assistência médica sem demora. No caso de quebra de vidraria ou cortes, primeiramente deve-se tratar o ferimento. Cacos sobre superfícies devem ser recolhidos com instrumentos adequados e, se no chão, com um esfregão umedecido em solução desinfetante e uma pá, sendo depois descartados em recipientes apropriados.
Acidente com centrífugas
Após um acidente com centrífugas, é recomendado esperar cerca de 30 minutos para que partículas aerossóis se assentem. Com o uso de EPIs adequados, deve-se então descontaminar o equipamento e os acessórios com solução de hipoclorito de sódio ou álcool 70% por pelo menos 15 minutos. Componentes danificados devem ser descartados corretamente, e o incidente reportado ao supervisor.
Contato de substâncias com a mucosa ocular
No contato de substâncias químicas ou biológicas com a mucosa ocular, evite esfregar os olhos, lave-os imediatamente com água abundante por pelo menos 15 minutos e busque atendimento oftalmológico, informando sobre o material envolvido. Se o contato ocorrer com a pele, proceda imediatamente para um chuveiro de emergência, lavando a área por pelo menos 15 minutos, e procure cuidados médicos, apresentando informações sobre a substância envolvida.
Em todos os tipos de acidentes mencionados ou outros envolvendo material biológico, é crucial informar imediatamente ao responsável pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), encaminhar a vítima ao serviço de medicina ocupacional e notificar o incidente dentro de 24 horas, incluindo a coleta de amostras sanguíneas para testes. O serviço de medicina ocupacional deve conduzir o diagnóstico, o acompanhamento dos envolvidos e as medidas de descontaminação necessárias.
Código de ética
Profissionais que trabalham em laboratórios de análises clínicas são esperados a aderir aos mais elevados padrões éticos e de conduta pessoal. Eles são incentivados a promover a profissão através da transparência, honestidade, justiça, verdade e cooperação.
Os princípios de conduta ideal são moldados por culturas organizacionais, valores locais e convicções individuais, encorajando diversas formas de alcançar a excelência que ressoam autenticamente com cada funcionário, independentemente do caminho profissional que sigam.
Especificamente, espera-se que esses profissionais:
- Siga rigorosamente o código de ética e conduta específico do laboratório;
- Exerça sua profissão com retidão, integridade e responsabilidade, preservando a confiança de todos os envolvidos, como estipulado no código de ética;
- Evite comportamentos ou expressões que possam desacreditar os valores, a equipe, a profissão ou os pacientes, evitando situações de falsidade, ilegalidade ou difamação;
- Seja preciso e honesto ao declarar suas qualificações, formação e experiência profissional;
- Respeite os direitos de propriedade intelectual;
- Revele qualquer conflito de interesse real ou potencial que possa surgir em determinadas situações;
- Garanta a privacidade e confidencialidade das informações adquiridas, seja diretamente ou indiretamente, no exercício de suas funções no laboratório.
É imperativo que todos os profissionais em laboratórios de análises clínicas leiam e observem o código de ética e conduta. O descumprimento dessas diretrizes pode levar a um processo de revisão disciplinar, resultando na possibilidade de cessação das atividades profissionais e revogação de credenciais.