CULTURA ERUDITA X CULTURA POPULAR
A ideia de cultura é comumente associada à erudição ou intelectualidade. Afirmar que alguém “não tem cultura”, geralmente, é o mesmo que dizer que a pessoa é ignorante ou não possui conhecimentos que são considerados de maior refino. Esse é um engano que todos nós já cometemos algum dia. O fato é que uma cultura não está relacionada com o valor designado a um tipo de conhecimento específico, sendo ele erudito ou não.
Quando se fala em cultura, é necessário entender os aspectos que o ser humano adquire e compartilha ao longo do seu contato social dentro de um grupo específico, refletindo a realidade social dos sujeitos. Com isso, temos que certas características, como linguagem, valores normativos ou modos de se vestir possibilitam a cooperação e comunicação entre quem compartilha uma mesma cultura. Isso quer dizer que o conceito de cultura está intimamente conectado ao conceito de sociedade, e não à erudição.
Tomemos um conceito generalizado sobre cultura, o de que trata-se do conjunto de conhecimentos, valores, símbolos, tradições, ideias, costumes e práticas que se tornam características de um grupo, seja ele familiar, social, étnico, religioso e assim por diante. Esse conhecimento nem sempre é formal — ninguém precisou fazer um curso para aprender a cultura de seu próprio povo. Ela foi transmitida para as gerações seguintes no cotidiano: na conversa, nas atividades diárias, nas festas e comemorações, no exemplo das outras pessoas.
De uma forma completamente diferente do que muitos pensam, não existem pessoas com mais ou menos cultura, ou mesmo culturas inferiores ou superiores. Toda sociedade possui um conjunto único de valores, que foi construído através de sua história e deve ser compreendido e respeitado.
Cultura erudita
Erudito significa que tem instrução vasta e variada adquirida, sobretudo, pela leitura. Quem produz a chamada cultura erudita são as pessoas que fazem parte de uma elite social, econômica, política e cultural e seus conhecimentos são provenientes do pensamento científico, dos livros, das pesquisas universitárias ou do estudo em geral. Podemos dizer, também, que a cultura erudita pode vir da produção acadêmica, centrada no sistema educacional, sobretudo na universidade, produzida por uma minoria de intelectuais.
Quando ouvimos dizer que fulano é erudito, significa que essa pessoa é dotada de muitos conhecimentos da cultura científica, da arte musical, da pintura, da literatura, do teatro, enfim, de todas as expressões culturais da elite. O conhecimento erudito sempre esteve em oposição ao conhecimento da maioria da população. Os cidadãos com maior poder aquisitivo têm melhores oportunidades de consumo de bens culturais: educação de qualidade, bons livros e revistas, concertos musicais e outros espetáculos, acesso à internet etc.
As camadas populares nem sempre têm possibilidades de participar da cultura erudita, nem a produzindo, tampouco a consumindo. Assim, também em relação à cultura, fica fácil compreender as desigualdades existentes na sociedade. A arte erudita e de vanguarda é produzida visando museus, críticos de arte, propostas revolucionárias ou grandes exposições, público e divulgação. A cultura erudita exige um alto grau de instrução, de formação específica, de conhecimento de história da arte (muitas vezes universal), dos movimentos artísticos, da própria história geral, etc. Consequentemente acaba sendo mas elaborada.
Cultura popular
Falar de cultura popular é bem mais fácil. Ela está mais acessível, mais próxima de nós, pois a cultura popular aparece associada ao povo. Ela não está ligada ao conhecimento científico. Pelo contrário, diz respeito ao conhecimento do povo, ao senso comum. Muitas vezes, a cultura erudita, isto é, a cultura das classes dominantes, não é necessariamente tão diferente da cultura popular. Lembremos, por exemplo, que, nos últimos dois mil anos, o Cristianismo foi praticado por dominantes e dominados; a língua portuguesa (sem tocarmos na questão da alfabetização) é falada em todo o Brasil; o futebol é praticado e apreciado em todas as classes sociais.
O mesmo fato ocorre com outros elementos de nossa cultura. Certas manifestações culturais agradam mais a determinadas parcelas da população que outras. Há cantores populares que, em certas regiões, são verdadeiros fenômenos de bilheteria e que em outras são completamente desconhecidos. Até mesmo quando se apresentam em outros palcos podem não agradar tanto, ou não agradar em nada. O impacto dessas produções culturais em populações diferentes pode ser influenciado pela mídia em áudio e vídeo, mas vamos desenvolver esse ponto melhor no próximo tópico.
Entendemos que a cultura popular manifesta a identidade de um povo. É a sua marca, porque forma elementos que a diferenciam dos demais. Se alguém cai no samba, temos uma imagem viva do Brasil; se vemos um casal dançando o tango, estamos na Argentina; mas se ouvimos um fado, já estaremos mais longe: chegamos a Portugal! A arte popular do século XVIII – com suas cantigas, danças, poemas e histórias registradas pelos estudiosos – é bem diferente de outras formas da moderna arte popular. Convivemos com novas artes, como o rap, o hip-hop e o grafite, que acontecem nas periferias dos grandes centros urbanos, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.
A cultura popular pode, ao mesmo tempo, ser conservadora e inovadora, no sentido em que é ligada à tradição, mas incorpora novos elementos culturais. Muitas vezes, a incorporação de elementos modernos na cultura popular pode transformá-la demais. Neste caso, corre-se o risco de descaracterizá-la. Algumas festas tradicionais transformam-se em espetáculos para turistas. É o caso do carnaval do Rio de Janeiro e do bumba-meu-boi de Parintins, no Amazonas. Mas isso é importante para desenvolver o turismo, uma das indústrias que contribuem para o crescimento econômico e social do Brasil, sobretudo no Nordeste, Região de grande potencial turístico. Outro exemplo é a comercialização de produtos da arte popular.
Na verdade, tanto a modernização das festas tradicionais quanto a ampliação de comércio do artesanato são estratégias modernas de preservar e desenvolver a cultura popular. Com isso, os produtores de arte popular ampliam seu mercado e melhoram sua qualidade de vida. A cultura popular aparece associada ao povo, às classes excluídas socialmente, às classes dominadas. A cultura popular não está ligada ao conhecimento científico, pelo contrário, ela diz a respeito ao conhecimento vulgar ou espontâneo, ao senso comum.
A cultura popular é conservadora e inovadora ao mesmo tempo no sentido em que é ligada à tradição mas incorpora novos elementos culturais. Muitas vezes a incorporação de elementos modernos pela cultura popular (como materiais como plástico por exemplo) a transformação de algumas festas tradicionais em espetáculos para turistas (como o carnaval) ou a comercialização de produtos da arte popular são, na verdade, modos de preservar a cultura popular a qualquer custo e de seus produtores terem um alcance maior do que o pequeno grupo de que fazem parte.
Exemplos de manifestações da cultura popular: carnaval, danças e festas folclóricas, literatura de cordel, provérbios, samba, frevo, capoeira, artesanato, cantigas de roda, contos e fábulas , lendas urbanas, superstições, etc.
Diferenças e aculturação
A cultura popular e cultura erudita podem ter a mesma sofisticação, mas na sociedade não possuem o mesmo status social - a cultura erudita é a que é legitimada e transmitida pelas escolas e outras instituições. É importante ressaltar que os produtores da cultura popular não têm consciência de que o que fazem têm um ou outro nome e os produtores de cultura erudita têm consciência de que o que fazem tem essa denominação e é assunto de discussões, mesmo porque os intelectuais que discutem esses conceitos fazem parte dessa elite, são os agentes da cultura erudita que estudam e pesquisam sobre a cultura popular e chegam a essas definições.
A aculturação refere-se ao encontro de duas culturas diferentes e, segundo afirmações mais tradicionais, a sobreposição de uma cultura sobre a outra. Historicamente, a aculturação moderna tornou-se evidente a partir da colonização nas Américas, África e Oceania. Antes do período das grandes navegações mercantilistas e da colonização dessas regiões por nações europeias , a própria Europa sofreu aculturação, por exemplo, no período em que parte de seu continente esteve nas mãos dos povos árabes.
No conceito geral, define-se a aculturação como um processo de imposição cultural que, no Brasil colonial, ocorreu pela catequização dos índios, negros escravos e por meio de referências “civilizatórias” trazidas por portugueses, franceses e ingleses. Nos tempos atuais, a aculturação é percebida como resultado de um processo de intercâmbio cultura em que duas culturas absorvem mutuamente suas características e costumes gerando uma nova referência. Essa nova referência ou nova cultura apresenta traços da cultura inicial e da cultura absorvida.
A cultura brasileira é formada por traços portugueses, africanos e indígenas; formação ocorrida no decorrer de nossa história pela colonização e pelo processo de imigração. A globalização e a interatividade das mídias permitem um processo de aculturação e nivelamento das culturas pela proximidade das sociedades, das trocas e da rapidez dos veículos de comunicação que distribuem diversas referências, comportamentos e signos culturais em diferentes países. Acredita-se que a aculturação, sendo um processo moderno de expansão, não consegue destruir por completo a identidade social e local de um povo.
Hoje, a aculturação é considerada proveniente de um processo não violento, mas proveniente de uma necessidade de informação e busca de aspectos culturais por parte de vários povos. Trata-se de um processo de aquisição que ocorre por meio de vários grupos de culturas diversas, permitindo que indivíduos de uma cultura aprendam o comportamento ou as tradições de indivíduos de outra cultura. É errado pensar que uma cultura desapareça por completo após sofrer influências de outra cultura, a cultura morre junto com o seu povo e, muitas vezes, se fortalece quando mescla sua cultura com a de outros povos.
Devemos considerar que, mesmo nos tempos feudais e mercantis, nenhum povo conseguia viver constantemente isolado e que a cultura é um processo dinâmico em constante formação e expansão. A cultura não é estática ou mórbida, seja por fatores históricos, humanos e até mesmo bélico, ela é capaz de perder , reaver ou absorver novas referências durante o processo de consolidação ou reorganização de uma sociedade. A aculturação não significa a morte dos signos e comportamentos culturais de um povo, mas um processo proveniente de causas impostas ou antropologicamente naturais.
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