A hematologia é a disciplina científica que se dedica ao estudo do sangue, seus componentes e as funções vitais que cada um deles desempenha no corpo humano. Originária dos termos gregos "Haima" (sangue) e "logos" (estudo), essa área estuda os elementos formadores do sangue, incluindo as hemácias (glóbulos vermelhos), leucócitos (glóbulos brancos) e plaquetas.
Além de analisar a morfologia e funcionalidade dessas células, a hematologia se aprofunda também em seus processos de produção, que ocorrem principalmente na medula óssea, bem como em outros órgãos hematopoiéticos como o baço e os linfonodos. Esses locais são essenciais para a hematopoiese, o processo pelo qual as células sanguíneas são produzidas, amadurecem e são eventualmente liberadas na corrente sanguínea.
Esse setor não apenas investiga a condição normal e o funcionamento eficiente desses componentes e órgãos, mas também se dedica ao diagnóstico e tratamento de doenças relacionadas ao sangue. Isso inclui distúrbios como anemias de diversas origens, leucemias e outros cânceres do sangue, doenças de coagulação como hemofilia e tromboses, além de desordens autoimunes que afetam os glóbulos brancos e plaquetas.
O sangue é um fluido vital que circula através do sistema circulatório fechado, composto por uma variedade de vasos. Essencial para o transporte de nutrientes, oxigênio e resíduos metabólicos, o sangue é formado por uma solução aquosa que exibe características de soluções coloidais. A sua composição química e propriedades físicas são mantidas dentro de limites estreitos para garantir o ambiente ideal para o funcionamento celular. Isso é alcançado através de processos dinâmicos que regulam a absorção e excreção de substâncias, mantendo assim a homeostase do corpo.
Ele divide-se em duas frações principais: o plasma, que constitui aproximadamente 55% do seu volume total, e os componentes celulares, que compõem os restantes 45%. O plasma é majoritariamente água (91,5%), atuando como solvente para nutrientes, sais minerais, proteínas e outros componentes orgânicos. Os 8,5% restantes são compostos de proteínas, sais e outros elementos dissolvidos.
Além disso, o sangue é constantemente formado e renovado através da ingestão de líquidos e alimentos e da troca de fluidos entre os diferentes compartimentos corporais. O plasma, diferentemente do soro, contém fatores de coagulação, enquanto o soro é o líquido que resta após a coagulação do sangue e a remoção do coágulo. Este último contém substâncias como sais minerais, vitaminas, carboidratos, proteínas, lipídios, enzimas, hormônios, e produtos metabólicos, sendo fundamental para diversas funções biológicas.
Abaixo, vamos explicar a função de cada um dos componentes citados acima que são estudados pela hematologia. Vocês vão entender sobre os tipos de células sanguíneas, os órgãos hematopoiéticos como a medula óssea, o baço e os linfonodos, e os processos biológicos que mantêm a homeostase do sangue e protegem o corpo contra patologias.
Este é o processo pelo qual as células sanguíneas são formadas nos órgãos hematopoiéticos, como a medula óssea e tecidos linfoides. A hematopoiese garante a renovação constante das células do sangue, essencial para manter a saúde e responder a danos ou infecções.
Esses são um grupo de células brancas (leucócitos) do sangue que inclui neutrófilos, eosinófilos e basófilos. Eles desempenham papéis vitais na defesa imunológica do corpo, combatendo infecções e mediando respostas inflamatórias.
Os neutrófilos são o tipo de leucócitos mais abundante no sangue humano, constituindo cerca de 60 a 65% do total de leucócitos circulantes. Essas células possuem dois tipos principais de grânulos: grânulos específicos, que armazenam enzimas capazes de destruir bactérias fagocitadas, e grânulos azurófilos, que contêm fosfatase ácida e outras enzimas lisossômicas essenciais para a digestão celular.
Morfologicamente, os neutrófilos são células arredondadas com núcleos segmentados em 2 a 5 lóbulos conectados por finas hastes de cromatina. A classificação dos neutrófilos é feita com base no número de lóbulos nucleares: bi, tri, tetra e pentalobulado. Células com mais de cinco lóbulos são denominadas "hipersegmentadas" e geralmente são mais antigas, enquanto as células jovens, conhecidas como neutrófilos bastonetes, apresentam núcleos não segmentados.
Essas células desempenham um papel crucial nas defesas imunológicas do corpo, atuando como a primeira linha de defesa contra invasões bacterianas. Eles são fagócitos eficientes, capazes de englobar e eliminar microorganismos invasores rapidamente.
Biologicamente, os neutrófilos são células altamente especializadas em seu estágio final de diferenciação, exibindo atividade limitada de síntese proteica. Eles possuem poucos retículos endoplasmáticos granulosos, escassos ribossomos livres, poucas mitocôndrias e um complexo de Golgi rudimentar, refletindo sua especialização em respostas imunológicas rápidas em vez de manutenção ou proliferação celular.
Figura 3. Neutrófilos
Os eosinófilos constituem entre 2 a 4% do total de leucócitos no sangue e são aproximadamente do mesmo tamanho que os neutrófilos. Geralmente, essas células apresentam um núcleo bilobulado e são conhecidas por suas granulações distintas que absorvem a coloração eosina, tornando-as acidófilas. Essas granulações específicas contêm proteínas como a proteína básica principal e a proteína catiônica do eosinófilo, além da neurotoxina derivada dos eosinófilos, que são eficazes no combate a parasitas.
Além disso, os eosinófilos possuem grânulos azurófilos inespecíficos, que são lisossomos contendo enzimas hidrolíticas similares às dos neutrófilos. Essas enzimas desempenham um papel crucial na destruição de parasitas e na hidrólise de complexos antígeno-anticorpo que são capturados pelos eosinófilos. É comum observar um aumento no número de eosinófilos em resposta a algumas parasitoses e doenças alérgicas.
Em termos de estrutura celular, o retículo endoplasmático, as mitocôndrias e o complexo de Golgi dos eosinófilos são menos desenvolvidos, refletindo suas funções especializadas centradas mais na resposta imunológica do que em atividades metabólicas contínuas.
Os basófilos, leucócitos circulantes mais raros, representam menos de 1% do exército de glóbulos brancos. Apesar da sua raridade, esses guerreiros microscópicos desempenham um papel crucial na defesa contra invasores e na orquestração de respostas alérgicas.
Ao contrário dos granulócitos, os basófilos ostentam um núcleo volumoso em forma de "S", como se estivessem sempre prontos para a ação. O citoplasma, seu interior celular, é carregado de grânulos maiores do que os dos outros granulócitos. Esses grânulos armazenam substâncias químicas poderosas, como histamina, heparina e fatores quimiotáticos, que atraem eosinófilos e neutrófilos para o campo de batalha. Quando corados com panópticos, esses grânulos se revelam em um tom violeta vibrante.
Monócitos e macrófagos
Os monócitos circulam no sangue e migram para os tecidos, onde se transformam em macrófagos. Essas células são grandes fagócitos que englobam e destroem patógenos e detritos, sendo fundamentais para a resposta imune e reparo tecidual.
Figura 4. Monócitos.
Linfócitos T e B
Cruciais para resposta imunológica adaptativa, os linfócitos T são responsáveis pela defesa celular, enquanto os linfócitos B, ao se transformarem em plasmócitos, produzem anticorpos que atacam antígenos específicos.
Megacariócitos e plaquetas
Os megacariócitos são células grandes na medula óssea que liberam plaquetas através do processo de fragmentação. As plaquetas, também conhecidas como trombócitos, são fragmentos citoplasmáticos localizadas na medula óssea. Elas são essenciais para o processo de coagulação sanguínea e para a reparação vascular. Com uma forma irregular e discoide, as plaquetas medem entre 2 e 4μm de diâmetro e têm uma vida útil de aproximadamente nove dias no corpo humano. Normalmente, a contagem de plaquetas no sangue periférico varia de 150.000 a 400.000 por microlitro de sangue.
Em termos de estrutura, as plaquetas são anucleadas e podem ser observadas em aglomerações em esfregaços de sangue, apresentando uma coloração azul-clara. Elas são dotadas de um sistema de canais denominado sistema canalicular aberto, que permite a comunicação entre o interior da plaqueta e o ambiente externo, facilitando a liberação de substâncias bioativas armazenadas.
Figura 5. Plaquetas.
Eritropoiese
É o processo de produção de hemácias ou glóbulos vermelhos. Ele ocorre na medula óssea e é vital para o transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos e a remoção de dióxido de carbono do corpo.
Eritroblastos
São as células precursoras dos eritrócitos. Durante a maturação na medula óssea, os eritroblastos perdem seu núcleo e se transformam em eritrócitos maduros, prontos para circular pelo corpo e desempenhar suas funções vitais de transporte de oxigênio.
Figura 6. Eritroblastos.
Esses componentes interagem de maneira complexa e coordenada para manter a homeostase do corpo, respondendo a ameaças e mantendo funções essenciais como a respiração, resposta imune e cicatrização de feridas.
Hemoglobina
A hemoglobina é uma proteína complexa, formada por quatro subunidades de globina — duas alfa e duas beta — cada uma contendo um grupo heme com um átomo de ferro central que se liga ao oxigênio. Esta estrutura permite que a hemoglobina transporte oxigênio dos pulmões para as células do corpo e traga de volta o dióxido de carbono para ser expelido.
A proteína é alostérica, o que significa que a sua capacidade de ligar e liberar oxigênio é influenciada por mudanças estruturais induzidas pela ligação do oxigênio. Existem várias formas de hemoglobina, incluindo Hemoglobina A1, Hemoglobina A2 e Hemoglobina F, que diferem na composição das cadeias polipeptídicas.
Os benefícios de localizar a hemoglobina dentro das células vermelhas do sangue, em vez de livre no plasma, incluem uma maior estabilidade e longevidade da proteína, a manutenção do ferro em estado redutivo pelo metabolismo dos eritrócitos, e a regulação da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio através de modificadores como o 2,3-DPG.
Quando o oxigênio é ligado à hemoglobina nos pulmões, forma-se a oxi-hemoglobina, que é transportada pelo sangue até os tecidos onde o oxigênio é liberado, transformando a hemoglobina em desoxi-hemoglobina. A mudança na cor do sangue de vermelho brilhante para vermelho arroxeado reflete essa transferência de gases.
A hemoglobina está presente em todas as células vermelhas do sangue dos vertebrados e pode ser encontrada dispersa no sangue de animais mais simples. Em humanos, os níveis de hemoglobina e glóbulos vermelhos podem aumentar como uma adaptação a altas altitudes, onde o ar tem menor concentração de oxigênio. Isso é benéfico para aumentar a capacidade de transporte de oxigênio do sangue e pode ser um fator vantajoso para atletas que treinam em altitudes elevadas para melhorar a performance em resistência.
Exames realizados pelo laboratório de hematologia
No campo da hematologia, os profissionais desempenham um papel crucial na avaliação do sangue, tanto em seu estado normal quanto quando afetado por doenças. Os exames realizados incluem análises abrangentes, como o hemograma completo, avaliação das funções de coagulação e testes imuno-hematológicos, como a tipagem sanguínea e os testes de Coombs direto e indireto. Esses exames fornecem informações essenciais para o diagnóstico de uma variedade de condições, incluindo anemias, leucemias, linfomas, distúrbios de coagulação e reações transfusionais. Com isso em mente, vamos explicar como funciona os exames mais realizados no laboratório de hematologia para você tirar de letra.
Hemograma completo
O hemograma completo é um exame fundamental para avaliar as três principais linhagens sanguíneas: glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. Ele fornece informações diagnósticas e prognósticas essenciais para uma ampla variedade de condições médicas, sendo um dos exames de sangue mais solicitados na prática clínica.
Embora seja amplamente utilizado, o hemograma ainda causa confusão, inclusive na população em geral e na mídia. Algumas pessoas erroneamente consideram que todo exame de sangue é um hemograma, o que não é correto. O hemograma é especificamente solicitado quando se deseja obter informações detalhadas sobre as células sanguíneas, incluindo leucócitos, plaquetas e hemácias.
Os valores de referência do hemograma foram estabelecidos na década de 1960 com base na observação de indivíduos saudáveis. O que é considerado "normal" são os valores que ocorrem em aproximadamente 95% da população sem doenças. Portanto, é importante ressaltar que cerca de 5% das pessoas saudáveis podem apresentar valores fora da faixa de referência. Pequenas variações dentro dessa margem não necessariamente indicam uma doença, mas quanto mais distante o resultado estiver dos valores de referência, maior a possibilidade de estar associado a uma condição patológica.
Em nosso sangue, são produzidos três tipos básicos de células pela medula óssea, as quais são avaliadas ao realizar um hemograma completo: hemácias (série vermelha), leucócitos (série branca) e plaquetas. Existem duas formas de realizar a contagem e avaliação dessas células: de forma automatizada, por meio de computadores e equipamentos eletrônicos, ou de forma não automatizada (manual), utilizando a contagem por microscopia.
Os valores de referência do hemograma completo variam de acordo com o sexo, idade e outras características individuais do paciente. Esses valores são essenciais para determinar o que é considerado normal em cada grupo populacional, sendo possível identificar alterações quando os resultados estão abaixo, dentro ou acima desses valores de referência.
É importante destacar que, embora haja valores de referência padrão, podem ocorrer variações nos resultados dependendo do laboratório onde o exame é realizado. Essas diferenças podem ser atribuídas a métodos de análise específicos de cada laboratório, bem como a outras variáveis técnicas e metodológicas.
O hemograma é muito utilizado para avaliar diversos aspectos do sangue, incluindo o número de glóbulos vermelhos, leucócitos e plaquetas. Esse exame é uma ferramenta importante na detecção de condições como infecções, anemia e excesso de ferro. Por exemplo, um aumento nos leucócitos pode indicar uma infecção, enquanto um aumento nos eosinófilos pode sugerir uma reação alérgica. No entanto, é essencial que a interpretação do hemograma seja realizada pelo médico responsável, levando em consideração os sintomas e histórico médico do paciente.
Quanto à anemia, se um paciente apresentar baixos níveis de hemoglobina (Hb) junto com volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM) reduzidos, isso é denominado anemia microcítica e hipocrômica. Se o VCM e HCM estiverem dentro da faixa normal, a anemia é considerada normocítica e normocrômica. Por outro lado, se o VCM estiver elevado (sem aumento do HCM), a anemia é classificada como macrocítica.
Na análise manual, também conhecida como não automatizada, são utilizados três equipamentos essenciais: microscópio, centrífuga ou microcentrífuga, e espectrofotômetro ou fotocolorímetro. O microscópio é empregado para realizar contagens de eritrócitos, leucócitos (tanto total quanto diferencial) e plaquetas, utilizando uma câmara de Neubauer e lâmina corada. A centrífuga ou microcentrífuga é responsável por fornecer o valor do hematócrito, enquanto o espectrofotômetro ou fotocolorímetro possibilita a leitura da concentração de hemoglobina. É imprescindível que todos esses equipamentos apresentem alta qualidade e sensibilidade tecnológica.
Por outro lado, a análise automatizada tem simplificado significativamente o processo laboratorial, especialmente em casos de alto volume de exames, como mais de vinte hemogramas por dia. Os equipamentos disponíveis permitem uma análise que varia de 30 a 120 hemogramas por hora. Os aparelhos mais básicos utilizam o princípio da impedância, no qual é medida a corrente elétrica entre dois eletrodos. Quando uma célula passa por essa corrente elétrica, gera-se um impulso elétrico que é quantificado, proporcionando informações sobre o tamanho das células, especificamente para eritrócitos, leucócitos ou plaquetas.
Leucograma
O leucograma é um exame que avalia os leucócitos, também conhecidos como glóbulos brancos, que são as células de defesa do organismo. Ele quantifica o número de neutrófilos, bastões ou segmentados, linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos presentes no sangue.
Quando os valores dos leucócitos estão elevados, caracteriza-se uma condição chamada leucocitose, que pode ser causada por diversas razões, incluindo infecções e até mesmo leucemia. Por outro lado, quando os leucócitos estão reduzidos, denomina-se leucopenia, que pode ser ocasionada pelo uso de medicamentos ou tratamento com quimioterapia.
É importante categorizar a leucocitose em discreta (ou leve), moderada e acentuada, de acordo com os valores do leucograma. As leucocitoses ocorrem principalmente em três situações: leucocitose fisiológica, que é comum em gestantes, recém-nascidos, lactantes, após exercícios físicos e em pessoas com febre; leucocitose reativa, relacionada ao aumento de neutrófilos e causada por infecções bacterianas, inflamações, necrose tecidual e doenças metabólicas; e leucocitose patológica, associada a doenças mieloproliferativas (como leucemias mieloides, policitemia vera, mielofibrose) e linfoproliferativas (como leucemias linfoides e certos linfomas).
Eritograma
O eritrograma é um exame que avalia a série vermelha do sangue, fornecendo dados como o hematócrito (VG), hemoglobina (Hb), volume corpuscular médio (VCM), concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) e red cell distribution width (RDW). Ele desempenha um papel fundamental na identificação e avaliação de anemias.
- O hematócrito (VG) é expresso como uma porcentagem e representa o volume total de todas as hemácias em relação ao volume total da amostra sanguínea.
- A hemoglobina (Hb) é responsável pelo transporte de oxigênio para as células do corpo.
- O volume corpuscular médio (VCM) é um índice que ajuda a determinar o tamanho das hemácias, sendo útil no diagnóstico de anemias. Hemácias pequenas são consideradas microcíticas, enquanto as grandes são macrocíticas, e as de tamanho normal são normocíticas.
- A concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) refere-se à quantidade de hemoglobina dentro de uma hemácia. Com base nessa concentração, as hemácias podem ser classificadas como hipocrômicas (baixa concentração de hemoglobina), hipercrômicas (elevada concentração de hemoglobina) ou normocrômicas (dentro da faixa normal).
- O red cell distribution width (RDW) é um índice que indica a variação de tamanho das hemácias, conhecida como anisocitose.
Plaquetograma
As plaquetas, também conhecidas como trombócitos, são células sanguíneas que se formam na medula óssea a partir da fragmentação dos megacariócitos. Elas possuem forma discoide, são desprovidas de núcleo e têm uma vida média de nove a doze dias. Um papel fundamental das plaquetas é participar do processo inicial da hemostasia, atuando na coagulação sanguínea ao formar os coágulos.
Portanto, a contagem e a análise morfológica das plaquetas são de extrema importância. Além disso, a qualidade das plaquetas também é um aspecto crucial. Algumas doenças relacionadas à má qualidade das plaquetas incluem a Doença de Von Willebrand, Síndrome de Scott, Trombastenia de Glanzmann e a Síndrome de Bernard-Soulier.
O valor de referência normal de plaquetas em crianças e adultos varia entre 150.000 e 450.000 mm3. Situações em que a contagem de plaquetas está abaixo do mínimo normal, denominada plaquetopenia, podem levar a sangramentos. Além disso, há casos de pessoas com valores normais de plaquetas, mas que apresentam plaquetas sem grânulos (conhecidas como plaquetas cinzentas), o que pode ocasionar sangramentos devido à dificuldade de agregação plaquetária.
Na anemia ferropriva, hemorragias agudas, inflamações e infecções crônicas, anemias hemolíticas, leucemias e policitemia vera são algumas das condições em que a contagem de plaquetas pode ser afetada. Em certos casos, como na trombocitemia essencial, a contagem de plaquetas pode ser elevada, chegando a valores superiores a 700 x 103/mm3 e até 3.000 x 103/mm3. Essa condição é caracterizada pela formação descontrolada das células precursoras das plaquetas, os megacariócitos.
Existem fatores que podem influenciar na contagem de plaquetas, como o excesso de anticoagulante EDTA, que pode levar ao agrupamento das plaquetas e causar uma pseudoplaquetopenia na contagem automatizada. Em pacientes com leucemia, os leucócitos podem se fragmentar, assim como na microesferocitose, em que os eritrócitos são muito pequenos, o que pode levar a uma pseudo-plaquetose. Em ambos os casos, é possível resolver a questão realizando um esfregaço sanguíneo e contando as plaquetas com o auxílio de um microscópio.
Avaliação das funções de coagulação
A avaliação das funções de coagulação é um aspecto crucial da hematologia, pois envolve o exame dos sistemas complexos que controlam a formação de coágulos sanguíneos. Esses testes ajudam a identificar problemas que podem levar a sangramentos excessivos ou coagulação anormal, como tromboses. Abaixo, confira quais são os testes mais comuns e como são feitos.
Tempo de protrombina
O teste de protrombina (TP) é um exame que avalia a capacidade do sangue de coagular, ou seja, de formar coágulos quando necessário para estancar sangramentos. Ele verifica duas vias importantes desse processo: a via extrínseca e a via comum da coagulação.
Para realizar o TP, é utilizado um reagente chamado tromboplastina, que contém uma mistura de uma substância chamada fator tecidual e cálcio. Essa tromboplastina pode ser feita a partir de diferentes fontes, como tecidos humanos ou de animais, ou mesmo produzida em laboratório.
O procedimento do teste consiste em adicionar a tromboplastina, previamente aquecida, ao plasma sanguíneo tratado com citrato. O tempo necessário para que o sangue coagule após a adição desse reagente é medido. Esse processo todo acontece à temperatura corporal, por isso a importância de manter tudo aquecido.
Durante o teste, o fator tecidual presente na tromboplastina ativa uma série de reações que levam à formação de trombina, uma substância essencial para a coagulação do sangue. A trombina, por sua vez, converte uma proteína chamada fibrinogênio em fibrina, que forma uma espécie de rede que ajuda a segurar os coágulos e a estancar o sangramento.
É importante saber que a composição e a origem da tromboplastina podem influenciar na sensibilidade do teste, ou seja, na precisão dos resultados obtidos. Por isso, foi criado um sistema chamado RNI (Relação Normatizada Internacional) para padronizar esses resultados e garantir que sejam interpretados da mesma forma em diferentes laboratórios. Isso é fundamental para garantir a confiabilidade dos resultados, independentemente de onde o teste foi realizado.
Materiais e equipamentos necessários
- Tubos de vidro para ensaio (12 x 75 mm);
- Tromboplastina cálcica (uma substância usada no teste);
- Micropipetas automáticas de 100 µL e 200 µL (usadas para medir volumes pequenos);
- Cronômetro (para medir o tempo);
- Banho-maria a 37ºC (para manter as amostras na temperatura correta);
- Solução tampão (uma solução utilizada no teste).
Procedimento simplificado
- Coloque 100 µL de uma amostra de sangue tratada com citrato em um tubo de vidro;
- Deixe o tubo de vidro com a amostra em um banho-maria a 37ºC por 60 segundos;
- Adicione 200 µL da tromboplastina cálcica, que já foi aquecida previamente a 37ºC, ao tubo;
- Inicie o cronômetro e cronometre o tempo que leva para a coagulação ocorrer;
- Repita o processo para garantir a precisão dos resultados, realizando o teste em duplicata.
Este procedimento é usado para verificar como o sangue coagula, o que pode fornecer informações importantes sobre a capacidade do corpo de parar sangramentos.
Tempo de tromboplastina parcial ativada
O TTPA é um exame usado para verificar como o sangue coagula. Ele ajuda a identificar problemas em diferentes partes do processo de coagulação. Por exemplo, ele pode detectar se há falta de certos fatores importantes para a coagulação, como os fatores VIII e IX. Além disso, o TTPA também pode mostrar se há presença de um tipo de anticoagulante chamado anticoagulante lúpico e se os níveis de heparina estão corretos no sangue.
O teste utiliza uma substância chamada cefalina, que é misturada com o sangue e depois é adicionado cloreto de cálcio. A cefalina ajuda a ver se o sangue coagula corretamente. Se os níveis de certos componentes estiverem muito baixos, o teste pode mostrar que o sangue não está coagulando da maneira certa. Isso pode indicar que existe um problema de saúde que precisa ser investigado.
Materiais e itens necessários
- Tubos de ensaio de vidro (12 x 75 mm);
- Micropipeta automática (capacidade de 100 µL);
- Cefalina com ativador (como sílica, caulim ou ácido elágico);
- Solução de cloreto de cálcio (0,025 M);
- Cronômetro;
- Banho-maria mantido a 37ºC.
Procedimento Simplificado
- Coloque 100 µL de plasma citratado (com baixa quantidade de plaquetas) em um tubo de ensaio;
- Adicione 100 µL de cefalina ativada ao mesmo tubo;
- Incube a mistura no banho-maria a 37ºC por 2 a 5 minutos. O tempo exato depende das instruções do fabricante da cefalina;
- Acrescente 100 µL de solução de cloreto de cálcio (já aquecida a 37ºC) ao tubo;
- Utilize o cronômetro para medir o tempo que leva até a coagulação do conteúdo do tubo;
- Repita o experimento para confirmar os resultados (faça em duplicata).
Tempo de trombina
O Teste de Tempo de Trombina mede quanto tempo leva para o fibrinogênio no sangue se converter em fibrina, quando exposto a uma quantidade específica de trombina. O resultado normal é em torno de 20 segundos, usando uma concentração de trombina de aproximadamente 4 U/ml. Esse teste é sensível o suficiente para identificar pequenas anormalidades no fibrinogênio.
O tempo de coagulação pode ser mais longo se houver heparina no sangue, altos níveis de imunoglobulinas (como na macroglobulinemia de Waldenstrom), problemas na função ou quantidade do fibrinogênio (conhecidos como disfibrinogenemias e hipofibrinogenemia, respectivamente), ou a presença de produtos de degradação da fibrina e fibrinogênio. Em casos de afibrinogenemia, onde não há fibrinogênio presente, o sangue não coagula.
Materiais e reagentes
- Tubos de vidro (12 x 75 mm);
- Solução fisiológica para possível diluição da trombina;
- Trombina a 4 U/ml (origem humana ou bovina);
- Micropipetas automáticas (100 µL e 200 µL);
- Cronômetro;
- Banho-maria a 37ºC.
Procedimento
- Coloque 200 µL de plasma citratado pobre em plaquetas (PPP) em um tubo de vidro;
- Incube o tubo a 37ºC por 60 segundos;
- Adicione 100 µL de trombina ao tubo;
- Use o cronômetro para medir o tempo até a coagulação do plasma;
- Repita o teste para garantir a precisão dos resultados (realize em duplicata).
Observações
A solução concentrada de trombina pode ser armazenada congelada. Descarte a solução de trabalho após o uso. Além disso, o Teste de Tempo de Trombina (TT) é muito sensível à presença de heparina. É especialmente útil para detectar heparina não fracionada em amostras de sangue coletadas de cateteres de longa permanência. Se a amostra for incoagulável e o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) estiver prolongado, é recomendado fazer uma nova coleta, de preferência longe do local do cateter.
Imuno-hematologia Eritrocitária
A imuno-hematologia eritrocitária é o campo da ciência que estuda os tipos de sangue através da análise dos antígenos encontrados nas células vermelhas do sangue (eritrócitos) e dos anticorpos presentes no soro. Este estudo abrange três áreas principais:
- Imunologia: Examina e classifica os antígenos nos eritrócitos. Também investiga como esses antígenos podem causar reações imunológicas, como alergias ou rejeições em transfusões de sangue.
- Genética: Analisa como os tipos de sangue são passados de pais para filhos seguindo as regras genéticas estabelecidas por Gregor Mendel.
- Bioquímica: Estuda a composição química dos antígenos na superfície das células vermelhas do sangue, incluindo lipídios, proteínas e açúcares.
Sistema ABO
Os antígenos ABO não estão presentes apenas nas células vermelhas do sangue, mas em muitos tecidos do corpo, o que o torna essencial para entender como ocorrem as compatibilidades em transfusões de sangue e transplantes.
Cada pessoa tem um grupo sanguíneo que pode ser A, B, AB, ou O, determinado geneticamente. Esse grupo é definido pela presença de antígenos específicos na superfície das células vermelhas do sangue:
- Grupo A tem o antígeno A.
- Grupo B tem o antígeno B.
- Grupo AB tem ambos os antígenos, A e B.
- Grupo O não tem nem o antígeno A nem o B.
Além dos antígenos, o corpo produz anticorpos contra os antígenos que não possui. Por exemplo, se você é do grupo A, terá anticorpos contra o antígeno B. Por isso, naa doação e recepção de sangue no sistema ABO é preciso respeitar a compatibilidade dos antígenos e anticorpos da seguinte forma:
- Pessoas do grupo A: podem doar sangue para outras pessoas do grupo A e AB, e podem receber sangue do grupo A e O.
- Pessoas do grupo B: podem doar para B e AB, e receber de B e O.
- Pessoas do grupo AB: podem doar apenas para outras pessoas AB, mas podem receber de qualquer grupo, sendo conhecidas como receptores universais.
- Pessoas do grupo O: podem doar para qualquer pessoa (doadores universais), mas só podem receber sangue de outras pessoas do grupo O.
Antes de uma transfusão, são realizados testes para garantir a compatibilidade do sangue do doador com o do receptor. Esses testes incluem:
Prova direta
Verifica quais antígenos estão presentes nas células vermelhas do sangue. Conforme passos abaixo:
- Coleta de Sangue: Uma amostra de sangue é coletada do indivíduo;
- Separação de Componentes: O sangue é processado para separar as hemácias do plasma;
- Adição de Antissoros: Diferentes antissoros são adicionados a diferentes amostras das hemácias. Estes antissoros contêm anticorpos específicos para os antígenos A, B, e O (anti-A, anti-B);
- Incubação: As amostras são incubadas para permitir que os anticorpos se liguem aos antígenos, se presentes;
- Observação: Após a incubação, as amostras são examinadas para ver se ocorreu aglutinação (aglomeração de células). A aglutinação indica a presença do antígeno correspondente ao anticorpo no antissoro.
Se as hemácias aglutinam com o antissoro anti-A, isso indica que o indivíduo é do grupo sanguíneo A ou AB.
Prova reversa
A prova reversa é usada para identificar os anticorpos presentes no plasma do indivíduo contra os antígenos A e B que ele não possui.
- Coleta de sangue: A mesma amostra de sangue pode ser utilizada;
- Separação de componentes: O plasma é separado das hemácias;
- Adição de hemácias teste: Hemácias conhecidas dos grupos A, B e O são adicionadas a diferentes amostras do plasma do indivíduo;
- Incubação: As amostras são incubadas para permitir que os anticorpos no plasma se liguem aos antígenos nas hemácias teste, se compatíveis;
- Observação: Após a incubação, as amostras são verificadas para aglutinação. A presença de aglutinação indica a presença de anticorpos contra o antígeno específico nas hemácias teste.
Se o plasma aglutina com as hemácias do tipo A, isso indica que o indivíduo tem anticorpos anti-A e, portanto, não pertence ao grupo sanguíneo A. Essas precauções são fundamentais para evitar reações adversas durante a transfusão, como hemólises (destruição das células vermelhas do sangue) que podem ser graves.
Figura 7 Fonte: TiraoJaleco.
Rh
O sistema Rh é um conjunto de grupos sanguíneos extremamente importante e complexo na medicina transfusional, descoberto em 1939 e considerado o segundo mais relevante após o sistema ABO. Este sistema é conhecido por sua diversidade, com 49 antígenos identificados até o momento, cada um podendo provocar respostas imunológicas em determinadas situações.
Os antígenos Rh são proteínas localizadas na superfície das células vermelhas do sangue. Os cinco antígenos principais são designados como D, C, E, c e e. A presença ou ausência do antígeno D é o que determina se o sangue é Rh positivo (D presente) ou Rh negativo (D ausente). Os genes que codificam esses antígenos estão localizados no cromossomo 1, e as variações nesses genes podem causar diferenças nas proteínas da superfície celular que são cruciais para as reações imunológicas.
- Transfusões de sangue: É vital conhecer o tipo Rh para transfusões de sangue seguras. A incompatibilidade Rh pode levar a reações hemolíticas graves, onde o sistema imune do receptor ataca as hemácias transfundidas.
- Gravidez: A compatibilidade Rh é crucial durante a gravidez. Se uma mãe Rh negativo está grávida de um bebê Rh positivo, seu sistema imune pode atacar as hemácias do feto, levando a condições como a doença hemolítica do recém-nascido, que pode ser grave.
Os anticorpos anti-Rh são geralmente produzidos pelo corpo em resposta a uma exposição prévia a sangue Rh positivo, o que pode acontecer através de uma transfusão sanguínea ou durante a gravidez. Esses anticorpos são, na maioria das vezes, do tipo IgG, que é uma classe de anticorpos que pode atravessar a placenta e afetar o feto.
Se uma pessoa Rh negativo recebe sangue Rh positivo, há cerca de 80% de chances de seu sistema imunológico reagir e produzir anticorpos anti-Rh. Além disso, durante a gravidez, se uma mãe Rh negativo está carregando um bebê Rh positivo, ela pode desenvolver anticorpos contra as células sanguíneas do bebê. Isso é uma das principais causas da doença hemolítica do recém-nascido, isto é, o próximo bebê, se tiver Rh positivo terá a doença hemolítica, que é quando o organismo identifica que as células sanguíneas do bebê são células ‘’invasoras’’, o que faz o sistema imunológico realizar a hemólise dessas células, levando o recém-nascido à morte.
- Prevenção: O uso de imunoglobulinas anti-RhD tem sido eficaz na prevenção da formação de anticorpos anti-D durante a gravidez, reduzindo a ocorrência de complicações. No entanto, isso não se aplica a outros antígenos Rh, como E, c e C.
- Reações transfusionais: Se uma pessoa com anticorpos anti-Rh recebe uma transfusão de sangue que contém os antígenos Rh aos quais ela é sensível, pode ocorrer uma reação transfusional hemolítica retardada. Essa reação não é imediata e envolve a destruição gradual das células sanguíneas transfundidas pelo sistema imune.
- Sintomas: O receptor pode apresentar febre, aumento dos níveis de bilirrubina no sangue (que pode causar icterícia) e redução nos níveis de hemoglobina e haptoglobina, indicando a destruição das células vermelhas do sangue.
- Diagnóstico: Um teste chamado antiglobulina direta (teste de Coombs direto) pode confirmar a presença desses anticorpos. O teste de eluição, que ajuda a identificar especificamente qual anticorpo está causando o problema, também pode ser utilizado.
Passo a passo para o teste de Coombs Direto
A técnica de antiglobulina, também conhecida como teste de Coombs, é fundamental para detectar anticorpos que podem não ser diretamente visíveis em testes padrão. Essa técnica pode ser aplicada de duas formas principais: o Teste de Coombs Direto (TAD) e o Teste de Coombs Indireto (TAI). Aqui, vamos detalhar o processo de como realizar cada um desses testes.
- Coleta de sangue: Obtenha uma amostra de sangue do paciente;
- Separação das hemácias: Centrifugue a amostra para separar as hemácias do plasma;
- Lavagem das hemácias: Lave as hemácias várias vezes em solução salina para remover o plasma e outras proteínas que possam interferir no teste;
- Adição do soro antiglobulina: Adicione o soro de antiglobulina humana às hemácias lavadas. Este soro contém anticorpos que reagem com qualquer IgG ou componente do complemento na superfície das hemácias;
- Centrifugação e observação: Centrifugue novamente e observe se há aglutinação das hemácias, indicativo de um teste positivo.
Passo a passo para o teste de Coombs Indireto
O Teste de Coombs Indireto é utilizado para detectar anticorpos livres no plasma do paciente, comum em testes de compatibilidade sanguínea pré-transfusionais ou na triagem de anticorpos em gestantes.
- Coleta de sangue: Colete o sangue do paciente;
- Obtenção de plasma: Centrifugue e separe o plasma das hemácias;
- Incorporação de hemácias teste: Adicione hemácias conhecidas por possuírem antígenos específicos ao plasma do paciente;
- Incubação: Incube a mistura a uma temperatura controlada para permitir a ligação de anticorpos livres do plasma às hemácias teste;
- Adição de soro antiglobulina: Após a incubação, adicione soro de antiglobulina ao meio para facilitar a visualização da aglutinação;
- Centrifugação e observação: Centrifugue e observe a presença de aglutinação, indicando a presença de anticorpos contra as hemácias teste.