A toxicologia, definida por Casarett como a ciência que estabelece os limites de segurança dos agentes químicos, é essencial para entender os efeitos adversos que substâncias químicas podem causar em seres humanos, animais e plantas. Todos os dias, estamos expostos a uma ampla gama de produtos químicos presentes em itens comuns como produtos de limpeza, pesticidas domésticos, medicamentos, alimentos, além da água, ar e poeira. A segurança, neste contexto, refere-se à probabilidade reduzida de uma substância causar danos quando usada sob condições específicas e controladas.
Exposições significativas a esses agentes podem ocorrer em situações de acidentes que envolvem a produção, armazenamento, manuseio, transporte ou descarte inadequado, resultando em sintomas de intoxicação que variam de mal-estar e tontura a problemas respiratórios e irritações na pele. Tais exposições não afetam apenas os humanos, mas também a flora e fauna locais, demonstrando a interconexão entre os ambientes construído e natural.
No entanto, muitas pessoas carecem de conhecimento pleno sobre os riscos associados ao manuseio dessas substâncias. Esta falta de consciência sobre os perigos de produtos potencialmente tóxicos aumenta o risco de intoxicações acidentais e dificulta a resposta adequada em situações de emergência. A identificação de produtos perigosos e o entendimento de como devem ser utilizados e armazenados corretamente são passos cruciais para a segurança no ambiente doméstico e no trabalho.
Sabendo das informações acima, separamos algumas causas mais comuns de intoxicação no Brasil para que você possa ficar atento quando receber uma solicitação de exame toxicológico.
São a causa mais comum de intoxicação globalmente, incluindo no Brasil. Essas ocorrências são frequentes entre crianças e em tentativas de suicídio, destacando a necessidade de cautela e supervisão no uso de medicamentos.
Produtos domissanitários
Estes produtos variam amplamente em composição e toxicidade, e são responsáveis por uma significativa quantidade de casos de envenenamento. Muitos desses produtos são fabricados ilegalmente em condições precárias e vendidos diretamente ao consumidor, o que pode aumentar os riscos de intoxicação devido à sua alta concentração.
Inseticidas domésticos
Embora geralmente sejam de baixa toxicidade quando usados corretamente, os inseticidas podem causar alergias e intoxicações, especialmente em indivíduos sensíveis. A aplicação inadequada desses produtos em lares, empresas e hospitais por pessoas ou empresas não qualificadas pode resultar em envenenamentos acidentais.
Pesticidas de uso agrícola
Estes são frequentemente citados como as principais causas de morte por intoxicação no Brasil, devido ao uso inadequado e a tentativas de suicídio. A conscientização sobre o manuseio seguro e a aplicação correta são essenciais para prevenir esses incidentes.
Raticidas
No Brasil, a legislação permite apenas o uso de raticidas à base de anticoagulantes cumarínicos, que são relativamente seguros e eficazes em eliminar ratos e suas colônias. O uso de produtos altamente tóxicos e proibidos para ambientes domésticos tem sido a causa de graves intoxicações e mortes.
Representam a categoria com maior número de casos reportados no estado da Bahia, devido à sua extensa área rural e maior ocorrência de encontros com esses animais. A Bahia, como centro de referência em toxicologia, gerencia o Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos, compilando dados de incidentes por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), uma vez que esses acidentes são de notificação obrigatória.
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais desempenham um papel crucial no manejo de pacientes intoxicados, ajudando a excluir ou confirmar a presença de intoxicações, avaliar a severidade dos efeitos tóxicos no corpo e orientar o tratamento apropriado. Esses testes são fundamentais para um diagnóstico preciso e para o monitoramento efetivo do paciente. No entanto, é importante notar que nem sempre os exames são essenciais para o diagnóstico ou para decisões clínicas.
Os exames podem ser divididos em duas categorias principais:
Análises clínicas
Os testes feitos nas análises clínicas são rápidos e oferecem resultados qualitativos ou semi-quantitativos para uma classe de agentes tóxicos. Por exemplo, um teste pode indicar a presença de benzodiazepínicos, mas não necessariamente identificar qual específico, como o diazepam. Esses testes podem, ocasionalmente, resultar em falsos-positivos e geralmente são seguidos por métodos mais definitivos para confirmação.
- Gerais: Incluem testes como hemograma, glicemia, eletrólitos, ureia, creatinina, bilirrubinas, CPK, aminotransferases, gasometria arterial, e análises de urina.
- Específicas: Incluem testes como tempo de protrombina, tempo de coagulação, e ferro sérico.
Análises toxicológicas
Focam na identificação do agente químico envolvido e/ou seus metabólitos, essenciais para entender a natureza e a extensão da exposição.
É crucial que os pedidos de exames toxicológicos de triagem sejam realizados de forma criteriosa e baseada em uma suspeita clínica bem fundamentada, considerando fatores como a substância suspeita, dose ingerida, tempo desde a exposição, sintomas observados, e tratamentos prévios.
Isso, porque esses testes foram projetados para identificar compostos específicos, não apenas a classe a que pertencem. Requerem mais tempo, trabalho intensivo e são mais caros. A cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas é frequentemente a técnica de escolha para a maioria dos compostos, podendo fornecer análises qualitativa ou quantitativas.
Figura 1. Cromatografia gasosa.
Figura 2. Cromatografia aliada a espectrometria de massa.
Para casos complexos, a interação direta entre o médico e o laboratório é vital para determinar a amostra mais adequada, escolher a técnica analítica correta e executar as análises necessárias para um diagnóstico rápido. Em situações de intoxicações agudas, amostras de sangue (soro e plasma) e urina são comumente utilizadas. Outras amostras como líquido de lavagem gástrica, vômitos, restos de alimentos e medicamentos encontrados com o paciente também podem ser importantes, especialmente a urina que é utilizada tanto em testes de dopagem quanto no monitoramento de dependência a substâncias.
Finalidade da toxicologia clínica
Em casos de suspeita de intoxicação aguda, a toxicologia é imprescindível para:
- Confirmar ou excluir substâncias
A análise pode confirmar ou descartar a presença de substâncias tóxicas suspeitas com base em síndromes tóxicas identificadas por meio da análise da história clínica e exame físico do paciente. Essa capacidade é crucial, especialmente em casos de intoxicação por múltiplas substâncias, onde os sintomas podem ser complexos ou mistos;
Avaliar a gravidade da intoxicação, confirmar diagnósticos, e até auxiliar em estudos de caso e padrões de exposição.
A toxicologia no contexto clínico fornece suporte decisivo nas intervenções médicas, incluindo decisões sobre hospitalização, nível de cuidado (como UTI), monitorização e aplicação de tratamentos específicos como a eliminação forçada de toxinas ou o uso de antídotos.
Desse modo, dada a complexidade das intoxicações agudas e o impacto significativo que os resultados toxicológicos podem ter no diagnóstico e tratamento, é essencial que tais resultados sejam fornecidos de maneira rápida. Idealmente, os resultados devem estar disponíveis dentro de 1 a 2 horas após a chegada do paciente ao hospital, especialmente em situações onde as informações impactarão diretamente nas decisões clínicas.