POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR
A agricultura familiar brasileira contempla grande diversidade cultural, social e econômica, podendo variar desde o campesinato tradicional até a pequena produção modernizada. No entanto, esse segmento produtivo da agricultura foi negligenciado na formulação de políticas públicas para o setor até o final do século XX. A política agrícola brasileira, sobretudo no período pós- -guerra, foi orientada para conduzir à modernização de sua estrutura de produção agropecuária, tendo como foco o aumento da produtividade a partir da incorporação de avanços tecnológicos, e como público-alvo a empresa rural capitalizável, caracterizada por grandes extensões de terra, com acesso garantido a abundantes subsídios fiscais e creditícios.
Esse processo foi responsável por grandes impactos sociais e ambientais no meio rural, além de interferir na dinâmica populacional brasileira. Por isso, ficou conhecido na literatura como modernização conservadora ou “modernização dolorosa”, , por não alterar a estrutura fundiária e promover uma crescente marginalização dos pequenos agricultores familiares, reproduzindo um padrão de desenvolvimento rural bastante excludente e desigual. Assim, desconsiderou-se uma multiplicidade de estratégias de atuação da agricultura familiar no campo da economia territorial. Somente em 1996, com o surgimento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), os produtores familiares rurais puderam dispor de um programa voltado para favorecer- -lhes de fato.
O Pronaf surgiu como resultado das muitas reivindicações dos trabalhadores rurais organizados e de outros grupos sociais que apontavam a importância de se estabelecer políticas que propiciam os meios necessários ao fortalecimento da produção agrícola familiar no Brasil. Atualmente, o Pronaf alcança considerável dimensão com operações em todo o território nacional, consolidando-se como a principal ação concreta de política de apoio à agricultura familiar no Brasil e representando uma injeção considerável de recursos monetários na economia de muitos municípios, com destaque para os mais pobres.
O Pronaf, instituído em 1996 por meio do Decreto nº 1.946, foi planejado e implementado com base em uma discussão na qual se inseriu uma ampla rede de organizações, envolvendo diversas escalas governamentais, ONGs, movimentos sociais, dentre outros atores. Em seu desenho institucional inicial, o Pronaf foi organizado em três linhas distintas: i) Crédito, linha esta que, desde o início do programa, foi a principal em termos de volume de recursos (mais de 90% do total); ii) Infraestrutura e Serviços Municipais, que a partir de 2003 passou a ser deliberada em âmbito territorial; e iii) Capacitação, que perdeu sua importância atualmente.
As fontes de recursos para o Pronaf apontadas pelo governo federal são: o Orçamento Geral da União (OGU), Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), bancos cooperativos e os fundos constitucionais, e exigibilidade bancária. Os recursos são alocados pelo Tesouro Nacional tanto para o financiamento direto aos beneficiários como para a equalização dos juros nos financiamentos do FAT.
A formulação de uma política pública está essencialmente calcada em um ambiente de incertezas. Na medida em que se desdobra a interação institucional com agentes públicos inter e intragovernamentais, as limitações orçamentárias, as transformações autônomas da realidade social e as deficiências de informações exigem, muitas vezes, uma constante adequação normativa. Com o Pronaf não foi diferente. De início, o programa já se defrontava com duas grandes dificuldades: a ausência de instituições bancárias próximas dos potenciais contratantes do crédito; e o elevado custo de transação envolvido na operacionalização bancária do repasse dos recursos do programa.
Dados esses desafios, o Pronaf precisou passar por diversas alterações e aperfeiçoamentos para alcançar uma maior capacidade de operacionalização. As principais alterações ocorreram a partir de 1999, quando se optou por segmentar os agricultores beneficiários em grupos distintos, com base principalmente na renda bruta anual. Essa adequação propiciou que as regras de financiamento atendessem melhor à realidade de cada grupo, sendo que os encargos financeiros e os descontos passaram a auxiliar mais os agricultores com menor faixa de renda e em maior dificuldade produtiva. Foram surgindo também algumas linhas de crédito para atividades especiais, como a agroecologia, e para grupos específicos (mulheres, jovens e pescadores).
Outro conjunto de mudanças foi em relação aos juros, com o Banco Central definindo uma taxa fixa, antiga reivindicação dos agricultores, que permitiu uma redução progressiva dos encargos financeiros por operação de crédito, bem como a dilatação de prazos e carências para os agricultores saldarem suas dívidas. A inserção desses novos componentes institucionais permitiu a ampliação do número total de agricultores familiares no programa, até então excluídos do sistema financeiro.
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