Os procedimentos durante a necropsia em casos de morte suspeita seguem uma série de passos padronizados. Inicialmente, é realizado um exame externo minucioso do corpo em busca de qualquer sinal visível de lesões, trauma ou doença. Em seguida, procede-se ao exame interno, onde o corpo é aberto para permitir a inspeção dos órgãos internos em busca de anomalias, lesões ou patologias.
O exame interno consiste em realizar incisões, inspecionar e remover órgãos e tecidos para análise mais aprofundada, incluindo a possibilidade de coletar amostras para exames adicionais. Eventuais projéteis são retirados e enviados para confronto balístico. Ao final da necropsia, o cadáver é delicadamente recomposto. A identificação técnica é conduzida por meio de métodos como papiloscopia, odontologia legal ou análise de DNA, dependendo das condições do corpo e do material disponível.
Em casos específicos, o escaneamento corporal digital pode ser utilizado para investigar possíveis sinais de violência, especialmente em vítimas adultas e infantis. Durante o processo de exame interno, amostras de tecidos e fluidos corporais são naturalmente retiradas para análises adicionais, como exames toxicológicos e histológicos.
As lesões visíveis externamente são minuciosamente examinadas e documentadas por meio de fotografias, enquanto são registradas as características físicas da vítima e quaisquer sinais que indiquem o óbito. Durante essa análise, cada detalhe das mãos, punhos, narinas, boca, pele e unhas é cuidadosamente inspecionado em busca de indícios de violência.
É essencial que todos os achados relevantes, especialmente em casos de morte suspeita, sejam cuidadosamente documentados em relatórios detalhados. Com base nessas informações, é feita uma determinação da causa da morte, considerando possíveis causas naturais ou não naturais. Ao final, é elaborado um relatório completo da necropsia, fornecendo detalhes sobre o exame e as conclusões alcançadas. Vale ressaltar que o processo pode variar de acordo com as políticas e regulamentos locais, bem como as práticas específicas da instituição médico-legal responsável pela necropsia.
Após a necropsia, a vítima de um acidente fatal é encaminhada para a perícia médico-legal, onde são conduzidos outros procedimentos e trâmites. Esses processos não se encerram com a simples liberação do cadáver à família. Nas unidades de Medicina Legal, o procedimento operacional padrão inclui a remoção do corpo do local da ocorrência, a realização da necropsia, a identificação técnica, encaminhamentos para exames complementares quando necessário, elaboração da Declaração de Óbito e a redação do laudo pericial, cuja conclusão pode levar até aproximadamente 10 dias.
Achados em morte violenta
Adiante, no passo a passo da determinação da causa de morte, você verá em detalhes como agir diante desses diferentes achados em caso de morte violenta.
a. Exame microscópico de lesões por arma de fogo: o exame de tecido ao redor do orifício de entrada de um projétil pode ajudar a identificar resíduos de pólvora, um material enegrecido visível ao microscópio. Não deixe de verificar.
b. Exame de resíduos de disparo: útil para confirmar casos de suicídio ou identificar suspeitos de disparos, baseado na detecção de chumbo, antimônio e bário, componentes do resíduo de disparo. Utiliza-se tanto técnicas qualitativas, como a espectrometria de energia dispersiva de raios-x, quanto técnicas quantitativas, como a espectrometria de emissão atômica em plasma.
c. Achado de fratura do osso hioide e cartilagem tireoide, além de hemorragia da musculatura cervical, frequentemente observados em asfixia por estrangulamento, mas não tão comuns em casos de enforcamento. Saiba a diferença: o enforcamento ocorre quando o laço é acionado pelo peso da vítima (asfixia que pode ser feita intencionalmente ou não), e o estrangulamento quando o laço é acionado por força externa.
Também existe a esganadura, que acontece quando partes do corpo humano como mãos, pés, cotovelos ou joelhos são usados para comprimir o corpo da vítima. A esganadura é invariavelmente classificada como homicídio, dado que a pressão aplicada é sempre realizada por um segmento do corpo humano. Neste tipo de agressão, há sempre um desequilíbrio de forças entre os envolvidos.
d. Para distinguir entre um recém-nascido e um natimorto, realiza-se comumente a docimásia hidrostática de Galeno: o bloco intratorácico é mergulhado em água, indicando respiração se houver flutuação. Um método mais confiável é o exame microscópico do tecido pulmonar, que mostrará uma aparência de glândula parótida com sacos alveolares fechados e pouca vasculatura em pulmões que não respiraram, enquanto pulmões que respiraram apresentarão células achatadas revestindo os alvéolos com vasculatura aumentada.
e. Em casos de homicídios com componente sexual, é crucial a coleta com swabs na área vaginal e anal para pesquisa de espermatozoides e do PSA (antígeno prostático benigno).
f. Em afogamentos, a presença de líquido nas vias aéreas é um indicativo consistente; a pesagem dos pulmões pode ajudar a confirmar a presença de líquido; o estômago contém água em 70% dos casos; o sangue estará diluído em afogamentos em água doce ou hemoconcentrado em água salgada, podendo também apresentar hemólise.
g. Em casos de eletrocussão, geralmente há uma lesão de entrada, caracterizada pela marca elétrica de Jelinek, e uma lesão de saída, onde ocorre a formação do arco elétrico; microscopicamente, a pele pode apresentar uma textura de "queijo suíço" com vacuolização da derme e da epiderme, bolhas epidérmicas, alongamento celular, e partículas metálicas do condutor podem ser observadas na pele com microscopia eletrônica de varredura; análise de DNA também pode ser realizada no condutor onde material genético da vítima pode ter sido depositado.
h. Em casos suspeitos de intoxicação exógena, devem ser coletados sangue, humor vítreo, urina, e bile; o conteúdo estomacal deve ser examinado em suspeitas de ingestão oral; em corpos em decomposição avançada, músculo da coxa, fígado e rins são preferidos para análise toxicológica. É crucial entender que o sangue é o elemento mais confiável para associar a presença de uma droga com a morte; se apenas metabólitos forem encontrados nos órgãos, mas não no sangue, não é possível estabelecer essa relação.
Identificação de causas de morte natural
O estudo das causas naturais de morte, embora não seja um foco principal da medicina forense, por vezes requer a análise de um médico legista nas salas de necrópsia. Estes casos incluem mortes suspeitas, onde não há evidências claras no local do óbito que sugiram uma causa externa, e também não existe um histórico médico ou outra evidência que confirme uma morte natural. Tais mortes, especialmente súbitas e em indivíduos jovens ou crianças, demandam uma investigação médico-legal detalhada. Incluem:
a. Doença Cardiovascular
Responsáveis por quase 30% das mortes no país, as patologias cardiovasculares frequentemente deixam vestígios como aterosclerose coronária grave, com ou sem calcificação do ventrículo, e cicatrizes no miocárdio. A causa comum de morte é arritmia cardíaca, onde as alterações no tecido cardíaco são observadas somente de quatro a seis horas após o evento de hipóxia tecidual. Em casos de infarto recente, menor que 24 horas, observa-se um afinamento e alongamento das fibras cardíacas na região afetada.
No contexto de doença cardiovascular relacionada à hipertensão, é comum encontrar aterosclerose concêntrica e cardiomegalia devido à hipertrofia ventricular esquerda simétrica, além de alterações renais caracterizadas por esclerose arteriolar. As arritmias são também uma causa frequente de morte nesses casos.
b. Doença do Sistema Nervoso Central
O aneurisma de Berry, localizado no círculo de Willis, é uma causa frequente de hemorragia subaracnóidea. Esses aneurismas, particularmente quando medem entre 0,5 a 1,5 cm, tendem a ser sintomáticos; a maioria é encontrada na parte anterior do círculo de Willis. A presença significativa de sangue subaracnoide na parte frontal do cérebro é um achado comum, e o aneurisma roto pode ser identificado sob inspeção direta do cérebro fresco após corte cuidadoso da aracnoide.
c. Sistema Respiratório
O tromboembolismo pulmonar geralmente ocorre quando um trombo se desloca dos vasos dos membros inferiores para o coração e as artérias pulmonares; o trombo é tipicamente encontrado durante a autópsia.
d. Trato Gastrointestinal
Eventos como hematêmese massiva devido a ruptura de varizes esofágicas são consequências da hipertensão portal, e as varizes podem ser difíceis de visualizar devido ao colapso; hemorragias gástricas são frequentemente causadas por úlceras perfuradas, visíveis na mucosa do estômago ou duodeno, onde também é possível identificar o vaso sanguíneo afetado; hérnias inguinais ou umbilicais estranguladas podem causar infarto das alças intestinais, peritonite ou sepse; e pancreatite geralmente se apresenta como hemorrágica e fulminante.
e. Doenças Hepáticas
A doença hepática alcoólica pode resultar em morte súbita por esteatose massiva (acúmulo de gordura e aumento do volume do órgão) ou por cirrose, com mudanças típicas na arquitetura tecidual e redução no tamanho do órgão.
f. Doenças da Adrenal
O feocromocitoma, um tumor adrenal, pode causar morte súbita se houver estímulo devido a um trauma menor ou manipulação abdominal durante um exame ou cirurgia, resultando na liberação de catecolaminas e subsequente crise adrenal com estimulação cardíaca e morte. A insuficiência adrenal crônica, ou doença de Addison, é caracterizada macroscopicamente por uma adrenal reduzida e atrófica, com fibrose e infiltrado inflamatório crônico observável ao microscópio.