PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR E SUSTENTABILIDADE
O ser humano passou a praticar a agricultura há cerca de 10 mil anos. Dessa forma, deu um passo decisivo na sua história e na sua inserção junto a natureza, bem como na diferenciação em relação às demais espécies de animais. A prática da agricultura provoca uma modificação radical nos ecossistemas. Apesar de modificar radicalmente o ecossistema original, a agricultura não é necessariamente incompatível com a preservação do equilíbrio ambiental fundamental. É perfeitamente possível a preservação dos mecanismos básicos de regulação ecológica, ao implantar um sistema de produção agrícola.
O conceito de desenvolvimento sustentável é normativo e surgiu com o nome de ecodesenvolvimento no início da década de 1970, num contexto de controvérsia sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente. Naturalmente, intrínseco à agricultura familiar, a sustentabilidade não é algo estático ou fechado em si mesmo, mas faz parte de um processo de busca permanente, de estratégias de desenvolvimento que qualifiquem a ação e a interação humana nos ecossistemas.
Da Conferência de Estocolmo (1972) emergiu o conceito de ecodesenvolvimento sustentável hoje em uso. Sua novidade estava na negação da visão prevalecente de crescimento econômico como condição necessária e suficiente para o progresso. Daí aplicado ao setor agrícola, esse novo conceito de desenvolvimento sustentável, já com inúmeras definições, reflete a idéia básica de que o desenvolvimento, para ser sustentável, deve ser não apenas economicamente eficiente, mas também ecologicamente prudente e socialmente desejável.
Decorrente da Conferência de Estocolmo (1972) foi produzido o Relatório Brundtland, cujo documento final intitulado “Nosso Futuro Comum”, publicado em 1987. Este, adotou e disseminou o conceito de desenvolvimento sustentável, concebido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”, para diferentes setores da sociedade, entre eles a agricultura. Tal tese foi aceita por muitos como uma solução quase salomônica, a meio caminho entre a economia de mercado e anseios de justiça e igualdade, com preservação do meio ambiente, a longo prazo. Ou seja, não havia como contrariar o poder e o interesse dos países industrializados, que adotam determinado modelo de desenvolvimento. Destarte, apontar um caminho para as nações em desenvolvimento, para os riscos do uso excessivo dos recursos naturais, sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas, esclarecendo que há um limite máximo para sua utilização, de modo que a vida seja preservada
O ano de 2014 foi decretado oficialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, em uma iniciativa para reposicionar esse sistema no centro das políticas agrícola, ambiental e social. O sistema de agricultura familiar, definido como propriedades que dependem principalmente dos membros da família para a sua mão de obra e gestão, é responsável por garantir alimentos de qualidade na mesa dos brasileiros, visto que 70% da produção de alimentos consumidos provêm desse setor. Este sistema é reconhecido por gerar postos de trabalho em números bem maiores que a agricultura empresarial e por se preocupar com a sustentabilidade socioeconômica e ambiental.
Tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, a agricultura familiar continua a ser a forma dominante de agricultura. Especialistas estimam em mais de 500 milhões o número de agricultores familiares no mundo inteiro. Em 2006, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou o Censo Agropecuário Brasileiro, em que se identificou a força e a importância da agricultura familiar para a produção de alimentos no país. Cerca de 84% dos estabelecimentos agropecuários são provenientes da agricultura familiar, totalizando 4,36 milhões de locais. No entanto, a área ocupada pela agricultura familiar corresponde a 24,3% da área total dos estabelecimentos rurais. Comparando o tamanho das propriedades familiares e empresariais, teríamos, respectivamente, 18,37 contra 309,18 hectares. Isso revela uma concentração fundiária e uma distribuição desigual de terras no Brasil.
Apesar da importância da agricultura familiar para o Brasil, as políticas públicas adotadas ainda privilegiam os latifundiários. Como, por exemplo, o Plano de Safra 2011/2012, em que R$ 107 bilhões foram destinados à agricultura empresarial, enquanto R$ 16 bilhões foram destinados aos produtores familiares. Entretanto, a agricultura familiar gera, em média, 38% da receita dos estabelecimentos agropecuários e emprega aproximadamente 74% dos trabalhadores agropecuários do país.
Por estes números, percebemos que os desafios da agricultura familiar para atender a demanda por alimentos saudáveis e em quantidade são muitos. A insuficiência de investimentos em infraestrutura produtiva, de beneficiamento, armazenamento, transportes e preços remuneradores, e o acesso às políticas públicas de cunho social são fatores que influenciam a permanência das pessoas no campo. Por outro lado, é necessário investir em sistemas de produção que proporcionem melhoria contínua das condições de vida de agricultores familiares, garantindo renda e sustentabilidade ambiental, de modo que todas as potencialidades do estabelecimento de produção possam ser aproveitadas sem prejuízos à natureza.
É importante que a sociedade, de forma consciente, entenda a importância dessa prática, visto que é a que menos utiliza agroquímicos como herbicidas, inseticidas, pesticidas e fungicidas, substâncias que vêm provocando uma série de problemas de saúde pública, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). A prática agressiva ao meio ambiente e aos recursos naturais advém do agronegócio e não da agricultura familiar. É preciso incentivar as iniciativas econômicas que ampliem as oportunidades de trabalho, de distribuição de renda, de produção de alimentos, das melhorias de qualidade de vida, da preservação da biodiversidade e da diminuição das desigualdades.
Esses resultados somente serão alcançados se existir um plano de desenvolvimento rural sustentável, a partir da implementação de políticas públicas voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar, e se as famílias estiverem organizadas estrategicamente, através do cooperativismo e do associativismo, que são os meios mais apropriados para se alcançar sustentabilidade social, econômica e ambiental.
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