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EXERCÍCIO DA TITULARIDADE

Considerada a necessidade de atendimento e satisfação do interesse coletivo, no sentido da busca pela melhoria da qualidade de vida da população, bem como a sujeição ao regime de direito público, sempre submetido à normas que visam o interesse público, resta evidente que os serviços de saneamento básico são serviços de caráter público a cargo do Estado, direito assegurado pelo texto constitucional brasileiro e dever do Estado Brasileiro. Além disso, estabelece a Constituição Federal, especialmente em seu art. 21, inc. XX, competir à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”. Saneamento básico é, portanto, serviço público na própria norma constitucional e também para a lei, a exemplo do art. 2º da Lei Federal 9.074/95 e arts. 2º e 3º da Lei Federal 11.445/07, e também de um ponto de vista material, significando que é requisito para a satisfação de necessidades essenciais e exigência à implantação de saúde pública. 


Observa-se o alargamento do conceito dos serviços públicos de saneamento básico, que, anteriormente, era comumente entendido como o tratamento da água nas suas sucessivas fases: a captação, o tratamento, a adução, a distribuição e a disposição final dos esgotos, de forma a compreender a instalação de infraestrutura compatível com o transporte eficiente da água a ser fornecida e também a coleta e tratamento adequados do esgoto. O alargamento conceitual normativo compreendeu, portanto, a inclusão do serviço de limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos, a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Tal alargamento denotou a preocupação, não só para o presente, mas também para as futuras gerações, de que o serviço de saneamento básico é responsável pelo fornecimento de elemento vital, imprescindível à perpetuação da vida e ao desenvolvimento das atividades humanas. 


Destarte, conforme visto, é serviço prestado para alcançar interesses tutelados pelo Estado — a saúde pública (ao Sistema Único de Saúde – SUS compete participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico, conforme art. 200, inciso IV do texto constitucional). A saúde tem como fatores determinantes a alimentação, a moradia e o saneamento (art. 3º da Lei 8.080/90) e a sobrevivência digna, das atuais e futuras gerações. É essencial e, como tal, é considerado serviço público, tanto que o art. 10 da Lei 7.783/89 (Lei de Greve) prescreve que o tratamento e abastecimento de água é serviço essencial. Por outro lado, decorre do conceito de serviço público a respectiva titularidade do Estado, havendo a faculdade de ser delegada sua execução à iniciativa privada, sem que isso o isente da responsabilidade por quaisquer consectários desta opção política e, principalmente, sem que isso implique a perda da titularidade do serviço (art. 175 da Constituição Federal de 1988).


Conforme visto, o inciso XX art. 21 da Constituição Federal de 1988 atribui à União a competência legislativa de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, entre as quais se situam as normas gerais dos serviços de saneamento básico. Compete à União, portanto, fixar parâmetros de cunho geral e nacional (aplicável a todo o território nacional), para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico. Por parâmetros gerais pode se entender os parâmetros de qualidade e técnicos sem que, contudo, caiba à União exaurir o tema e esvaziar a autonomia dos demais entes federativos competentes para prestar os serviços. Já a titularidade para a prestação dos serviços de saneamento básico, no Brasil, é produto de uma sofisticada conjugação de técnicas de repartição de competências do Estado Federal brasileiro. 


Afora as previsões esparsas, no texto constitucional, acerca das atribuições para cuidar da saúde pública, controle da poluição e a preservação do meio ambiente, que traduzem atribuições deferidas a todos os níveis federativos brasileiros (União, Estados e Municípios), podem ser citados os seguintes dispositivos constitucionais que se relacionam com o tema da competência político-administrativa (material) em matéria de saneamento básico:


a) art. 23, inciso XI: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ................................................................................................................ IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;


O citado dispositivo estabelece competência material ou administrativa, não adentrando o tema da titularidade do serviço. Todavia, traz importante diretriz no sentido da possibilidade de ação integrada e cooperativa entre os entes federais para melhor consecução das finalidades estatais, em especial diante da previsão do parágrafo único do mesmo artigo, segundo o qual a cooperação entre os entes poderá ser prevista em lei complementar. Tal previsão será importante para o presente trabalho, e será tratada adiante. 


b) art. 200, IV: segundo o qual, ao SUS – Sistema Único de Saúde compete a participação na formulação da política pública e na execução das ações de saneamento básico. Tal previsão, apesar de também não definir a titularidade do serviço, prevê a competência comum entre os entes integrantes do SUS (União, Estados e Municípios, conforme art. 23, II, art. 24, XII, art. 25, § 1º, art. 30, VII, e art. 196 da CF/88), em especial à União, para a participação na formulação e execução das políticas públicas de saneamento básico, participação que pode se dar direta ou indiretamente, na forma de custeio, investimentos, auxílio técnico, etc. c) art. 30, V: este dispositivo prevê a cláusula genérica pela qual compete ao Município prestar os serviços de interesse local, conforme transcrição: Art. 30. Compete aos Municípios: ................................................................................................................ V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;


O dispositivo acima traz, para o texto constitucional, o princípio da subsidiariedade, pelo qual “todos os serviços de interesse tipicamente local, isto é, que possam ser prestados adequadamente pelo Município e se relacionem com sua realidade específica, estejam no âmbito desse nível federativo”. Em síntese, saneamento básico é o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Da conceituação legal denota-se que os quatro serviços são, a princípio, serviços de interesse local e, por isso, nos termos do inciso V do art. 30 da Constituição, são de titularidade municipal, devido à predominância do interesse local e sua conexão direta com a figura municipal. Certo é que, em uma análise superficial, praticamente todo serviço ecoará em interesses locais, em algum grau. 


A própria Constituição dá no inciso V mencionado um exemplo de serviço de interesse local: o transporte coletivo. De modo similar, as quatro atividades que compõem o saneamento básico interessam predominantemente ao município. Mais precisamente: a prestação dessas atividades exige a observância das particularidades de cada localidade, o que evidencia, de modo indiscutível, a predominância do interesse local. Contudo, a noção de predominância de um interesse sobre os demais implica a ideia de um conceito dinâmico: determinada atividade considerada, em determinado momento, como uma atividade de interesse local, poderá, com a passagem do tempo e a evolução social, até mesmo com base em decisões de cunho político, ser considerada para a esfera regional e até mesmo federal. 


Fatores como a formação de conglomerados urbanos são exemplos de tal fenômeno, assim como os instrumentos contratuais de gestão consorciada ou compartilhada dos serviços. Também deve-se considerar o inverso, em processo no qual uma alteração na ocupação populacional possa modificar os parâmetros e retornar à predominância de interesse local a definir a titularidade municipal. Elemento importante, neste ponto, será a consideração de que os titulares dos serviços de saneamento deverão deter as condições adequadas para a prestação deste serviço. E, por condições adequadas devem ser entendidas não só as condições de cunho financeiro e estrutural, mas também as condições ambientais que podem ultrapassar os limites territoriais de municípios e mesmo dos estados.


d) art. 25, §3º: este dispositivo trata da formação das regiões metropolitanas, conforme a seguir: Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. ...............................................................................................................

§ 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.


Verifica-se, portanto, que a norma é contraponto direto à previsão do art. 30, inciso V, de forma que, na hipótese da existência de funções públicas de interesse comum, diante das circunstâncias envolvidas na prestação destes serviços, poderão ser instituídas regiões metropolitanas, sempre através de lei complementar, o que, envolve, à toda evidência, uma decisão política dos legislativos estaduais. Para efeitos do presente estudo, diante da interpretação sistemática do texto constitucional, mais precisamente dos § 1º do art. 25 e inciso V do art. 30 citados, aplicando-se o princípio da predominância do interesse local, prevalece a conclusão no sentido de que os serviços de saneamento básico são de titularidade dos municípios. Poder-se-ia complementar que será de competência do estado os serviços cuja prestação extravase, pela própria natureza do serviço, os limites territoriais do município, contudo, em relação aos serviços de saneamento, não prevalece tal pensamento, conforme decidido pelo STF na ADI nº 1.842. 




Este artigo pertence ao Curso de Saneamento Básico

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