Agora que você conhece os fatores de crescimento ideal dos microrganismos, chegou o momento de preparar o ambiente em que seus organismos de estudo serão inseridos. Para estimular o seu crescimento, as bactérias precisam ser dispostas em um meio nutritivo apropriado. Dessa forma, quando falamos em um ensaio em escala laboratorial, o material nutriente preparado para o crescimento de micro-organismos é chamado de meio de cultura.
Sabemos que existem microrganismos que podem crescer bem em praticamente qualquer meio de cultura, enquanto que, algumas bactérias exigem condições especiais, para sua multiplicação e desenvolvimento. Enquanto isso, existem ainda microrganismos que ainda não foram capazes de serem cultivados em escalas laboratoriais utilizando meios sintéticos não vivos até agora desenvolvidos.
Para que possamos cultivar um microrganismo em um meio de cultura é necessário que, primeiramente, tenhamos o seu inóculo. Eles não nada mais, nada menos que os micro-organismos introduzidos em um meio de cultura para iniciar o protocolo de crescimento. Enquanto isso, os micro-organismos que crescem e se multiplicam dentro ou sobre um meio de cultura são denominados de cultura microbiana.
Pare para pensar que você, profissional da microbiologia deseja cultivar um determinado micro-organismo, para a investigação clínica de pacientes com sintomas de infecção urinária. Quais seriam os aspectos necessários para compor o meio de cultura da nossa bactéria de interesse?
Primeiramente, o meio precisará apresentar os nutrientes adequados para o desenvolvimento do microrganismo específico que queremos cultivar. Além disso, esse ambiente de cultivo deve conter também uma quantidade de água suficiente para garantir o carregamento de nutrientes e a manutenção da pressão osmótica, em adição, o meio deve estar em um pH apropriado e um nível conveniente de oxigênio a depender da espécie bacteriana.
Um dos pontos mais importantes sobre o preparo do meio de cultura é que o microbiologista deve garantir que o meio de cultivo seja um ambiente estéril, isto é, um ambiente ao qual não teve inicialmente a presença de micro-organismos vivos. Como consequência desse processo de esterilização, a forma a cultura conterá somente os microrganismos que foram introduzidos para o desenvolvimento do estudo.
Por fim, a cultura microbiológica em crescimento deve ser incubada em temperatura apropriada.
Uma grande variedade de meios está disponível para o crescimento de microrganismos no laboratório, como por exemplo o meio PBS, ou o meio Ágar McConkey. Entretanto, antes de adquirir um produto voltado para a indução do crescimento microbiano, ele precisa entender que a maioria desses meios, que estão disponíveis de fontes comerciais, tem componentes pré-misturados Por isso, é necessário avaliar se os compostos presentes no meio de cultura se adequam ao tipo de bactéria a ser cultivada.
Os meios comerciais normalmente exigem apenas a adição de água e a esterilização em condições específicas, De maneira geral, esses produtos costumam ser fornecidos por empresas especializadas no ramo biotecnológico, por isso, esses meios são constantemente desenvolvidos ou atualizados para utilização no isolamento e na identificação de bactérias que são de interesse para os pesquisadores em campos como a microbiologia de alimentos, ou de saúde.
Um dos componentes mais importantes em relação à preparação de meios de cultura é o ágar. Quando um pesquisador deseja induzir o crescimento das bactérias em meio sólido, um agente solidificante como o ágar é adicionado ao meio.
Como dito anteriormente, o ágar é um polissacarídeo complexo derivado de uma alga marinha. Ele tem sido utilizado há muito tempo nas cozinhas domésticas e industriais para deixar alimentos com texturas similares à geleias e sorvetes mais espessos.
Esse componente tem algumas propriedades muito importantes que fazem com que ele se torne muito requisitado e valioso nos campos de estudo da microbiologia, ainda mais pelo fato de que, nenhum cientista conseguiu encontrar um substituto que conseguisse atuar com a mesma efetividade e baixo custo que o ágar.
Algumas das vantagens desse componente são que poucos microrganismos podem degradar o ágar, o que faz com que a sua estrutura permaneça sólida, ainda que em contato com diferentes espécies microbianas. Além disso, de acordo com Tortora, o ágar se liquefaz a cerca de 100°C (o ponto de ebulição da água) e ao nível do mar ele permanece líquido até a temperatura diminuir até cerca de 40°C.
Devido à sua natureza gelatinosa, os meios com água geralmente são contidos em tubos de ensaio ou placas de Petri. As placas de Petri são materiais que recebem esse nome em homenagem a seu inventor, elas consistem em placas rasas com uma tampa que as recobre até o fundo, possibilitando assim a redução das chances de contaminação pelo ambiente.
Quando as culturas em ágar são realizadas em tubos de ensaio, eles são chamados de inclinados. Isso acontece pois, para que a bactéria seja cultivada no tubo, o ágar precisa ser solidificado com o tubo inclinado em um ângulo que permita que uma grande área de superfície esteja disponível para o crescimento microbiano. Enquanto isso, quando o ágar é solidificado em um tubo mantido na vertical, ele é chamado de profundo.
Já em relação às placas de petri, o ágar é colocado sem inclinações, respeitando o limite do objeto. Quando preenchidas, são chamadas de culturas sólidas em placas de Petri.
Meio Quimicamente Definido
Para que seja possível induzir uma espécie a se multiplicar em um ambiente controlado, o meio utilizado deve fornecer uma fonte de energia, assim como fontes de carbono, nitrogênio, enxofre, fósforo e quaisquer outros micronutrientes relacionados ao seu crescimento. Dessa forma, o organismo de interesse poderá sintetizar os compostos desejados, bem como irá manter uma taxa ideal de reprodução e morte microbiana.
Quando falamos em um meio quimicamente definido, estamos nos referindo àquele meio cuja composição exata é conhecida. Esse tipo de ambiente para o crescimento microbiano dependerá diretamente do microrganismo a ser cultivado, por isso, é comum que cada ingrediente seja adaptado em conformidade com a necessidade da célula.
Um microrganismo do tipo quimioheterotrófico, por exemplo necessita de um meio quimicamente definido que contenha fatores de crescimento orgânicos que servem como fonte de carbono e energia. Nesse caso, é comum que o microbiologista opte por um composto que seja facilmente absorvido pelo organismo, como a glicose para os quimioheterotróficos.
Alguns microrganismos são tão complexos e seletivos que requerem muitos fatores de crescimento para a sua multiplicação em escala laboratorial, dessa forma, esses seres são descritos como fastidiosos. Organismos desse tipo, como por exemplo algumas espécies de Lactobacillus, geralmente são utilizados em experimentos que determinam a concentração de uma vitamina específica em uma substância.
Para a realização de um ensaio microbiológico que visa avaliar a concentração de subprodutos do metabolismo microbiano, um meio de crescimento é preparado com todos os fatores de crescimento exceto composto de interesse no estudo.
Como consequência, ao ser inserida no meio onde a substância a ser testada e a bactéria são combinados, somos capazes de avaliar o crescimento da bactéria através de um processo de comparação.
Nas bactérias do tipo Lactobacillus, esse processo de crescimento microbiano, normalmente é refletido pela quantidade de ácido lático produzido. Isso significa que, para avaliar a quantidade de vitamina na substância testada, precisamos entender quanto de ácido lático foi produzido no processo.
Caso o resultado mostre que houve quantidade de ácido lático maior, isso nos indica que mais células de Lactobacillus foram capazes de crescer, e portanto, existe uma maior quantidade da substância de interesse presente no meio.
Apesar de serem extremamente importantes para a microbiologia, os meios quimicamente definidos geralmente são reservados para trabalhos experimentais no laboratório ou para o crescimento de bactérias autotróficas, já que eles costumam ser mais trabalhosos de serem preparados, bem como também podem apresentar um alto custo comercial.
É por esse motivo que a maior parte das bactérias e dos fungos cultivados em laboratórios são normalmente inseridos em meios complexos, os quais são feitos de nutrientes como extratos de leveduras, de carnes ou de plantas, ou produtos de digestão destas ou de outras fontes. A composição química exata varia um pouco com o fabricante e o seu lote, dessa forma, o pesquisador não poderá afirmar qual a quantidade exata de cada ingrediente que o compõe.
De acordo com os Princípios da Bioquímica de Lehninger, nos meios complexos, as necessidades de energia, carbono, nitrogênio e enxofre dos micro-organismos em cultura são fornecidas essencialmente moléculas de proteínas.
Uma proteína é uma molécula relativamente grande e parcialmente insolúvel que alguns microrganismos utilizam diretamente em seu metabolismo. Entretanto, quando as bactérias estão realizando a digestão parcial por ácidos ou enzimas, elas acabam induzindo a produção de proteínas em cadeias de aminoácidos mais curtas chamadas de peptonas.
Quando as proteínas são degradadas nesses pequenos fragmentos, elas se tornam mais solúveis e podem ser digeridas pela maioria das bactérias. Além disso, existem outros compostos como as vitaminas e outros fatores orgânicos de crescimento que também são fornecidos pelos extratos de carne e de levedura.
Nesse caso, ainda que em menor quantidade, as vitaminas solúveis e os minerais das carnes e das leveduras são dissolvidos na água em seu processo de produção, dessa forma, para que o fabricante possa concentrar esses elementos e aumentar o tempo de prateleira, essa água é evaporada. É importante salientar ainda que os meios complexos fornecem ainda nitrogênio orgânico e compostos de carbono.
Dentre os meios complexos mais utilizados no campo da microbiologia, os extratos de levedura recebem um maior destaque, isso porque sua composição apresenta um alto teor de vitaminas do tipo B.
O meio complexo pode ser preparado ainda sem a adição do ágar, na forma líquida, levando assim o nome de caldo do nutriente. Porém, quando adicionamos a substância geleificante, ele é chamado de ágar nutriente.
Existem pessoas que confundem esses conceitos e associam o ágar como uma espécie de fator de crescimento, entretanto, devemos ressaltar que somente o ágar em si não pode ser considerado um nutriente.
Meios de Cultivo Seletivo e Diferencial
Em algumas situações, é necessário que o microbiologista identifique a presença de microrganismos específicos, sejam eles para diagnóstico, ou até mesmo para o isolamento de um estudo. Na prática clínica ou de saúde pública, por exemplo, a detecção desses microrganismos pode estar associada a uma melhor estratégia de tratamento para doenças provenientes de infecções microbianas. Dessa forma, para que seja possível cultivar esses microrganismos separadamente, meios seletivos e diferenciais são utilizados no processo.
De maneira geral, os meios que possuem o caráter seletivo são elaborados para impedir que bactérias indesejadas cresçam no nosso meio de cultura. Com isso, o microbiologista favorece o desenvolvimento dos seus microrganismos de interesse.
Por exemplo, é possível utilizar meios seletivos para que bactérias com estruturas de parede e membrana celular diferentes não consigam crescer em um mesmo meio. O ágar sulfeto de bismuto é um desses meios seletivos. Ele é frequentemente utilizado para isolar a bactéria da tifoide a partir das fezes do paciente, este microrganismo apresenta como característica estrutural a presença de uma cápsula protetora (gram-negativa, Salmonella typhi).
O sulfeto de bismuto tem o papel de inibir o crescimento de bactérias gram-positivas e a maioria das bactérias intestinais gram-negativas, exceto a Salmonella typhi. Outro exemplo muito comum no campo da microbiologia é a utilização do meio ágar Sabouraud dextrose, para isolar os fungos que dominam a maioria das bactérias. Esse isolamento é um resultado do seu pH de 5,6, que possibilita a inibição de determinados microrganismos.
Os meios diferenciais são aqueles que permitem a diferenciação clara das colônias de um microrganismo desejado em relação a outras colônias crescendo num mesmo ambiente de cultivo, normalmente numa placa de petri.
Essa propriedade acontece pois, alguns microrganismos podem reagir de forma diferente quando submetidos a uma mesma substância. Essas reações são identificáveis quando realizadas com meios diferenciais em tubos ou placas.
O ágar sangue é um tipo de meio diferencial composto pela presença de hemácias. Ele é utilizado com frequência pelos microbiologistas para identificar espécies bacterianas que são capazes de destruir esses componentes sanguíneos no processo de infecção. Dessa forma, espécies como o Streptococcus pyogenes por exemplo, que são bactérias que causam infecção de garganta, conseguem ser diferenciadas em ágar sangue através da formação de um anel claro ao redor de suas colônias. Isso acontece pois a S. pyogenes lisam as hemácias circundantes, gerando esse padrão claramente identificável.
Algumas vezes, as características seletivas e diferenciais são combinadas no mesmo meio, especialmente quando o interesse do microbiologista é de isolar espécies específicas de microrganismos. Imagine por exemplo que queremos isolar a bactéria Staphylococcus aureus, das vias respiratórias de um paciente (nariz).
Para isso, precisamos entender algumas características dessa bactéria, como por exemplo: esse microrganismo é tolerante a altas concentrações de cloreto de sódio, o que favorece a inibição de diversas espécies bacterianas que não suportam alta pressão osmótica; ele também pode fermentar o carboidrato manitol para formar espécies ácidas.
Considerando essas características, os microbiologistas clínicos desenvolveram o método de diagnóstico pelo ágar hipertônico manitol. Ele é um meio diferencial e seletivo que contém 7,5% de cloreto de sódio, o que acaba impedindo o crescimento de organismos competidores. Além disso, ele também permite que o crescimento de S. aureus seja favorecido por ser um meio salino.
O ágar de manitol é preparado com um indicador de pH que muda de cor se o manitol do meio for fermentado pelas bactérias formando espécies ácidas. Dessa forma, as colônias
fermentadoras de manitol, como o S. aureus podem ser diferenciadas das colônias de bactérias que não fermentam o manitol.
Veja na imagem abaixo como as bactérias que crescem em concentração elevada de sal e fermentam o manitol podem ser facilmente identificadas pela mudança de coloração no meio de cultura.
Provavelmente os microrganismos testados sejam colônias de S. aureus, e sua identificação pode ser confirmada por testes adicionais utilizando princípios bioquímicos.
Quando mais de um tipo bacteriano está presente em uma amostra, o microrganismo de interesse do microbiologista pode ter o seu crescimento afetado pela competição nutricional. Quando essas bactérias estão em pequenos números, isso pode ser um problema, pois as colônias de referência podem ser perdidas.
Dessa forma, para permitir uma melhor análise das bactérias de interesse, é necessário utilizar uma cultura de enriquecimento. No campo da microbiologia diagnóstica, esse tipo de metodologia é empregada com amostras de solo ou fezes.
Esse tipo de meio normalmente é encontrado em cultura é líquida e fornece nutrientes e condições ambientais que favorecem o crescimento de um micro-organismo
específico e não de outros.
Imagine por exemplo, que você precisa isolar de uma amostra de solo um micro-organismo que pode crescer com fenol, porém, ao cultivar essas bactérias em meios complexos, você percebeu que os microrganismos de interesse estão presentes em número menor que outras espécies.
Porém, se você colocar essa mesma amostra de solo em um meio líquido de enriquecimento no qual o fenol é a única fonte de carbono e energia disponíveis, os microrganismos incapazes de metabolizar o fenol não irão crescer, ainda que estejam em maior quantidade na amostra.
Dessa forma, o microbiologista precisa incubar o meio de cultura durante alguns dias, para então transferir uma pequena quantidade para outro frasco do mesmo meio.
Após uma série de transferências, a população sobrevivente consistirá apenas em espécies bacterianas capazes de metabolizar o fenol.
Isso acontece pois, de maneira geral, as bactérias têm um determinado tempo para crescer no meio em que estão sendo cultivadas. Logo, quando realizamos o processo de transferência, o nutriente trazido pelo inóculo original é rapidamente eliminado por diluição que é um efeito inevitável das transferências sucessivas.
Quando a última diluição é semeada em um meio sólido com a mesma composição, somente as colônias do organismo capazes de utilizar o fenol poderão crescer no meio de cultura, já que o fenol normalmente é letal para a maioria das bactérias.