REGULAÇÃO E ESTRUTURA TARIFÁRIA
Os serviços públicos de água e esgoto, quando disponibilizados aos usuários por meio de redes, se caracterizam como monopólios. Os monopólios naturais são os custos de produção são menores quando um só produtor atende a uma determinada demanda. A regulação dos monopólios é necessária para a proteção dos interesses dos usuários, principalmente quanto ao controle dos preços e à qualidade do serviço. Os principais objetivos da regulação são:
a) Proteger os interesses dos usuários quanto às obrigações (princípios) da prestação do serviço público;
1. Universalidade (acesso de todos os cidadãos aos serviços na área de jurisdição do prestador)
2. Equidade (tratamento dos usuários em condições de igualdade)
3. Acessibilidade (preços e tarifas módicos, subsídios)
4. Continuidade (fornecimento permanente com interrupções mínimas e justificadas, com garantia de quantidade, pressão e qualidade adequada)
5. Adaptabilidade (capacidade de progresso em função da evolução económica, tecnológica e social e das demandas de usuários especiais)
6. Transparência (publicidade e acesso à informação)
7. Participação (conselhos, audiências, consultas públicas)
8. Resolução de conflitos (mediação, a conciliação e a arbitragem voluntária).
b) Promover a eficiência e a inovação;
1. eficiência produtiva ou econômica --> produção ao menor custo.
2. eficiência técnica de input ou de output --> intensidade dos desperdícios verificados no processo produtivo
3. eficiência alocativa -->a combinação de inputs (trabalho e capital) que produz uma determinada quantidade de outputs ao mínimo custo
4. eficiência de escala --> influência do porte do prestador na eficiência.
5. eficiência dinâmica --> inovação e mudança da tecnologia de produção (produtividade)
c) Assegurar a estabilidade, a sustentabilidade e a robustez dos serviços prestados.
1. auto-financiamento dos serviços: usuários pagam o custo real do serviço (operacionais e de capital) observando os princípios do utilizador/pagador e do poluidor/pagador
2. visão integrada e de longo prazo (plano)
No que toca à regulação da qualidade do serviço, podemos afirmar que a qualidade é multidimensional. Ademais, não é possível aos usuários a escolha de outros prestadores que, por sua vez, devem assumir o seguinte comportamento:
incentivos de desempenho -> reduzir custos para aumentar lucros
tarifas por taxa de remuneração ->serviço com uma qualidade muito elevada (com superdimensionamento dos investimentos)
A regulação da qualidade possui dois tipos de abordagens, sendo elas a direta (índice de qualidade do serviço inserido nas equações de regulação por incentivos de desempenho ou da regulação por taxa de remuneração, penalizando ou premiando os prestadores cujo padrão de qualidade se deteriore/melhore no tempo) e indireta (penaliza ou premia pontual ou periodicamente os prestadores que apresentam falhas ou,ainda, desempenho de excelência em função de padrões mínimos de qualidade definidos). Na abordagem direta, é importante considerar que, em geral, o índice de qualidade pondera vários indicadores. Na abordagem indireta, contempla multas, indenizações aos usuários e, no limite, a retomada do serviço.
A entidade reguladora deve publicar e divulgar a informação sobre a qualidade do serviço prestado. A pressão dos usuários, dos meios de comunicação e das outras partes interessadas pode se constituir em uma via coercitiva adequada (regulação sunshine). Esta consiste na medição, comparação e discussão pública dos resultados do desempenho dos prestadores de serviço. A estratégia de publicização faz com que os prestadores com desempenho medíocre, fiquem "embaraçados" e procurem corrigir as falhas, com o consequente aumento progressivo da performance no setor A regulação “sunshine” pode ser implementada isoladamente ou complementando outras técnicas.
A regulação sunshine se apóia na aplicação de mecanismos de benchmarking por meio de indicadores de desempenho, e sua eficácia pressupõe:
a) a não publicização do desempenho de apenas um prestador;
b) os resultados de desempenho apresentados juntos com valores de referência, e com os fatores de contexto relevantes;
c) a publicização dos resultados acessível aos usuários;
d) a promoção de discussão pública sobre os resultados com a presença dos diferentes stakeholders.
As agências reguladoras têm, como principal objetivo, dar estabilidade a determinado setor. Assim, no caso de concessões públicas como a de saneamento básico, deve promover um ambiente seguro e confiável que estimule os investimentos, a modernização, o aumento da produtividade, o aprimoramento dos serviços e a modicidade tarifária à população atendida. Os municípios podem ou não delegar a agências já constituídas a responsabilidade pela regulação de suas concessões de Saneamento. É importante frisar que esta delegação é opcional, ou seja, alguns municípios já optaram pela regulação própria, por meio da criação de Agências Reguladoras Municipais.
Por ser este um cenário completamente novo às concessionárias, é fundamental que ocorra, neste primeiro momento, uma série de estudos, audiências e consultas públicas que tenham por objetivo adequar todos os processos atualmente vigentes – sejam eles operacionais, técnicos ou financeiros – nas concessionárias, de forma a atender de forma plena à Lei 11.445/07, que foi o marco regulatório do setor. No cenário nacional, há duas associações de destaque. A primeira reúne todas as Agências Reguladoras do país, e acompanhar suas discussões é fundamental para observar os caminhos prováveis da regulação no Brasil.
Denominada ABAR – Associação Brasileira de Agências de Regulação, promove encontros bianuais que atraem não só representantes das Agências, como também representantes de concessionárias interessadas em participar das discussões que afetam diretamente seus negócios. Já a segunda reúne as principais Concessionárias de Saneamento Básico do país. Denominada Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento – Aesbe, promove periodicamente encontros e cursos relacionados ao processo regulatório.
A correção da tarifa é um processo que ocorre anualmente, com o objetivo de garantir a estabilidade econômico-financeira da concessão. A Revisão Tarifária Periódica (RTP), ocorre geralmente a cada 4 ou 5 anos. Na composição da tarifa, é importante dividir-se o conceito de nível tarifário (também chamada de receita requerida) do conceito de estrutura tarifária. O nível tarifário é o montante que a concessionária precisa receber após todos os consumidores pagarem suas respectivas faturas, e deve ser suficiente para manter a estabilidade econômico-financeira da concessão. É dividido em Parcela A (PA), ou “custos não gerenciáveis”, e Parcela B (PB), ou “custos gerenciáveis”.
Exemplos de componentes da Parcela A são taxas (de fiscalização, de uso, etc), encargos, etc. É importante ressaltar que a ARSESP (agência reguladora do estado de São Paulo) considera os custos de “energia elétrica” e “materiais de tratamento” como Parcela A . Já a ADASA (agência reguladora do Distrito Federal), não. Assim, é extremamente importante que ocorra uma reflexão precisa sobre o que é e o que não é considerado como Parcela A, já que aquilo que não o for estará sujeito aos fatores de produtividade e eficiência previstos no regime Price Cap. O conceito é simples: deve ser considerado como Parcela A todos os custos que independem da concessionária, ou seja, mesmo querendo ela não poderá reduzir, de forma alguma, aquela variável tarifária.
Já a Parcela B depende fundamentalmente da gestão da concessionária. Por isso, antes de definir o que são os “custos gerenciáveis”, é importante definir o que é a garantia da “estabilidade econômico-financeira”, objetivo das Revisões e dos Reajustes, que não pode ser confundida com cobertura integral dos custos de uma concessionária. Isso porque, de acordo com o Capítulo VI da lei 11.445/07 (“dos aspectos econômicos e sociais”), a cobertura dos custos deve ser realizada por meio de mecanismos de eficiência:
CAPÍTULO VI DOS ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços:
§ 1o Observado o disposto nos incisos I a III do caput deste artigo, a instituição das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico observará as seguintes diretrizes:
(…)
V – recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência;
VI – remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços;
VII – estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes, compatíveis com os níveis exigidos de qualidade, continuidade e segurança na prestação dos serviços;
VIII – incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços.
Art. 38. As revisões tarifárias compreenderão a reavaliação das condições da prestação dos serviços e das tarifas praticadas e poderão ser:
I – periódicas, objetivando a distribuição dos ganhos de produtividade com os usuários e a reavaliação das condições de mercado;
II – extraordinárias, quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora do controle do prestador dos serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico-financeiro.
§ 1o As revisões tarifárias terão suas pautas definidas pelas respectivas entidades reguladoras, ouvidos os titulares, os usuários e os prestadores dos serviços.
§ 2o Poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive fatores de produtividade, assim como de antecipação de metas de expansão e qualidade dos serviços.
§ 3o Os fatores de produtividade poderão ser definidos com base em indicadores de outras empresas do setor.
Desta forma, a tarifa deve, sim, garantir à concessionária uma cobertura integral de seus custos – desde que estes custos sejam “eficientes”, ou seja, desde que eles estejam em linha com as melhores práticas administrativas, operacionais e financeiras do mercado. Isso porque o regime de Regulação por Incentivos, se adequadamente implementado, estimula as empresas a aumentarem sua produtividade e a compartilharem este resultado com os consumidores na forma de redução da tarifa.
Este artigo pertence ao Curso de Saneamento Básico
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