Quais são as perspectivas teóricas que sustentam as pesquisas e reflexões recentes e atuais sobre o desenvolvimento da alfabetização infantil?
A pesquisa sobre alfabetização é sustentada por uma ampla gama de perspectivas teóricas que evoluíram e se desenvolveram ao longo do tempo. Essas perspectivas tiveram e continuam a ter uma grande influência na pesquisa, na política e na pedagogia.
Teorias cognitivas
Nas décadas de 1960 e 1970, o trabalho dos psicólogos cognitivos era predominante na literatura sobre os processos envolvidos na leitura, incluindo a estrutura dos textos expositivos, a gramática da história do texto narrativo e a teoria do esquema. No início dos anos 80, a teoria do esquema teve um grande impacto na pesquisa de leitura, que enfatizava os processos cognitivos individuais que os leitores usavam durante a leitura.
O significado foi essencialmente armazenado nas estruturas mentais que foram ativadas e organizadas durante o processo de leitura. Essa visão afirma que leitores e ouvintes constroem ativamente significados para os textos que encontram, em vez de simplesmente “receber” significados dos textos (Anderson & Pearson, 1984).
No entanto, em anos mais recentes, os pesquisadores usaram termos como conhecimento existente, conhecimento de tópico ou conhecimento prévio, em vez de esquemas (Gaffney & Anderson, 2000) e afirmam que a teoria do esquema ainda está influenciando nossas percepções de leitura.
Em relação à compreensão de leitura, a teoria dos esquemas apresenta um modelo para representar o conhecimento e organizar a experiência (Pearson 1992). Kintsch (1998) notou as limitações dos esquemas como modelos amplamente controlados de cima para baixo e adotou um modelo mais amplo de “construção-integração” de compreensão que é mais complexo, mas também incorpora esquema.
O ensino por meio de jogos de rima, por exemplo, auxilia no desenvolvimento da consciência fonológica.
Teorias psicolinguísticas
Com base na teoria da linguagem de Halliday (1975) e Chomsky (1957), Goodman (1967, 1994) construiu uma teoria que é um modelo do processo de leitura que chamou de modelo sócio psicolinguístico transacional da leitura. Essa teoria foi construída a partir da análise de estudos de um grande número de erros infantis na leitura.
As crianças foram observadas por meio de pistas grafofônicas, sintáticas e semânticas conforme elas previam e inferem a partir do texto. Insights da análise de erros levaram Goodman a definir a leitura como um “jogo de adivinhação psicolinguística”. Um foco da perspectiva psicolinguística é ler em busca de significado; se aprende a ler lendo e o papel do professor é facilitar a leitura das crianças ao invés de ensiná-las.
Essa teoria se concentrava na leitura como um processo construtivo: o leitor dá sentido ao texto usando o conhecimento prévio. O trabalho dos teóricos psicolinguísticos teve um grande impacto no estudo da leitura e promoveu o uso de literatura autêntica usando textos com padrões de linguagem natural para possibilitar aos leitores emergentes usarem seus conhecimentos de linguagem para prever palavras e significados. (Smith, 1971, 1987) De acordo com essa visão, o leitor mostra o texto com o foco principal na construção de significado. A leitura é percebida como um processo construtivo – um processo preditivo baseado em conhecimento prévio.
Essa perspectiva minimiza o papel da decodificação no aprendizado da leitura. A leitura depende mais do conhecimento do mundo e do contexto linguístico do que do conhecimento ortográfico da palavra impressa. Mais de 40 anos depois, a perspectiva psicolinguística continua a influenciar o ensino da leitura e isso pode ser visto na ênfase na literatura infantil de boa qualidade e na resposta à literatura no desenvolvimento da imaginação da criança. Textos com padrões de linguagem natural passaram a fazer parte do currículo de alfabetização, auxiliando o leitor iniciante a fazer uso de conhecimentos prévios da linguagem e assumir riscos na leitura.
O excesso de confiança em pistas de contextos como estratégia de identificação de palavras diminui consideravelmente a leitura, em relação a estratégias baseadas em fonologicamente (por exemplo, Stanovich, 1986), e que o uso excessivo de pistas de contexto é um sintoma de leitura ineficiente.
Outra teoria importante diz respeito ao papel dos processos metacognitivos na leitura, escrita e ortografia. Os leitores que usam estratégias metacognitivas estão cientes dos recursos cognitivos que possuem para atingir um objetivo, verificar os resultados de suas tentativas de resolver problemas, monitoram os efeitos de suas tentativas, testam, revisam e avaliam suas estratégias de aprendizagem e usar estratégias compensatórias quando a leitura falha. As estratégias metacognitivas podem ser desenvolvidas em conjunto com a instrução da estratégia.
Seja na identificação/ortografia de palavras, compreensão de leitura ou escrita/composição que enfatize as etapas na implementação de uma estratégia, quando implementar a estratégia e por quê. De acordo com Paris, Lipson e Wixson (1994), o conhecimento estratégico na leitura e em outras pede pode ser descrito como:
- declarativa (onde a criança está ciente e pode nomear e descrever a estratégia)4
- processual (onde a criança aplica as etapas envolvidas na implementação da estratégia)
- condicional (onde a criança sabe por que a estratégia deve ser usada e quando aplicá-la).
Além disso, é importante que as crianças selecionem a estratégia apropriada em uma determinada situação de alfabetização e a apliquem de forma independente.
Teorias da aprendizagem cognitiva
Wood, Bruner e Ross (1976) definiram esta como um “processo que permite que uma criança ou novato resolva um problema, realize uma tarefa ou alcance um objetivo que estaria além de seus esforços não assistidos” (p. 90).
Isso envolve funções, como ganhar e manter a atenção de uma criança, reduzir a tarefa a componentes gerenciáveis, acentuar características relevantes da tarefa, reduzir possíveis frustrações e demonstrar e modelar componentes da tarefa (Wood et al., 1976). Na sala de aula, envolve um delicado ato de equilíbrio para o professor, onde o professor fornece assistência “just-in-time” (Hmelo-Silver, Duncan & Chinn, 2007), por meio de instrução de estratégia explícita, modelagem, demonstração e pensamento em voz alta.
O objetivo é que a assistência do professor desapareça com o tempo e a criança aplique estratégias a novas situações e adote uma abordagem metacognitiva flexível que inclua níveis de conhecimento procedimentais, declarativos e condicionais (Bereiter & Scardamalia, 2006).
Teorias sócio-culturais/sócio-culturais-históricas
As teorias socioculturais da alfabetização enfatizam o papel que a cultura desempenha no desenvolvimento e na prática da alfabetização (Razfar & Gutiérrez, no prelo). A alfabetização nessa perspectiva é uma prática social, que está inserida em contextos culturais específicos e mediada por ferramentas culturais particulares (Gutiérrez, 2002).
A pesquisa neste campo utiliza a noção de Vygotsky (1978) de que a aprendizagem da linguagem é influenciada pelos contextos sociais em que as crianças estão imersas à medida que crescem e que recorrem a uma série de ferramentas de mediação na construção do significado (Cole, 1996).
Nessa visão, a natureza e o significado da alfabetização são construídos nas práticas sociais específicas dos participantes, em contextos culturais particulares para propósitos particulares. Assim, alfabetizar é mais do que adquirir conteúdos, mas, além disso, situa a leitura e a escrita nas práticas sociais e linguísticas que lhes dão sentido (Street, 2005, p. 3).
Para ser mais específico, os modelos autônomos de alfabetização são baseados em uma definição reducionista de alfabetização enraizada na escolarização ocidental. Esses conceitos de alfabetização baseados na escola são considerados uma definição padrão de competência alfabetizada em todos os contextos.
Uma visão ideológica da alfabetização pressupõe que a alfabetização é um conjunto de práticas sociais historicamente situadas, altamente dependentes de entendimentos culturais compartilhados e inextricavelmente ligados a relações de poder em qualquer ambiente (Gee, 1996; Street, 1995). A alfabetização está intimamente ligada aos contextos de uso ou ao que as pessoas fazem com a alfabetização em ambientes formais e informais, tanto dentro quanto fora da escola.
Mais recentemente, a importância das explicações histórico-culturais da aprendizagem e do desenvolvimento tem sido enfatizada e alguns autores usam o termo teoria histórica sociocultural em vez de, ou ao lado, teoria sociocultural. Perspectivas socioculturais-históricas levam em conta as dimensões sociais, históricas e culturais das atividades cotidianas e buscam compreender melhor as crianças dentro desse contexto de pesquisa ricamente enquadrado.
Teorias sociolinguísticas
Intimamente associadas às teorias socioculturais da alfabetização linguística estão as teorias sociolinguísticas (por exemplo, Bloome & Green, 1984). Este último focaliza não apenas os aspectos cognitivos da linguagem e da alfabetização, mas também os aspectos sociais e linguísticos. Assim como nas teorias socioculturais, o aspecto social diz respeito ao uso da linguagem e do letramento para estabelecer, estruturar e manter as relações sociais entre e entre as pessoas, enquanto o aspecto linguístico diz respeito à comunicação de intenções e significados entre os usuários da língua e do letramento.
O trabalho em sociolinguística tem se concentrado no contexto instrucional e não instrucional para linguagem e alfabetização, bem como contextos de alfabetização em casa e na comunidade. De acordo com Bloome e Green (p. 396), uma perspectiva sociolinguística envolve examinar como a linguagem é usada para estabelecer um contexto social, enquanto também examina como o contexto social influencia o uso da linguagem e a comunicação de significado.
Na prática, essas duas questões são geralmente separados, com estudos voltados para um ou outro aspecto. Assim, estudos como os de Heath (1983) e Gee (1990) se enquadram tanto no âmbito sociocultural quanto no sociolinguístico.