De início, é importante frisar a diferença entre direitos fundamentais e direitos humanos. Por mais que o conteúdo dessas duas matérias por vezes se confunda, a diferenciação é essencial.
Direitos humanos são normas de direito natural. Em outras palavras, são idealizações doutrinárias a respeito dos direitos que são inerentes a todo ser humano, pelo mero fato de existir. Tratam-se de normas de direito supranacional, normalmente existentes em tratados e acordos entre Estados.
Por outro lado, os direitos fundamentais são aqueles direitos elencados como mais importantes dentro de um ordenamento jurídico. Logo, nada impede que os direitos se confundam: a diferença está no fato de um determinado Estado internalizar os direitos e protegê-los com o seu arcabouço jurídico.
O título II da Constituição Brasileira arrola os direitos e garantias fundamentais dentro da soberania do Estado brasileiro. Essa listagem, entretanto, não é exaustiva. Há ainda direitos implícitos ao longo do texto constitucional que possuem tanta efetividade quanto os descritos. E, por fim, o Brasil ainda recepciona com status constitucional os tratados internacionais a respeito de direitos humanos que sejam aprovados com rito de emenda constitucional.
O artigo quinto da Constituição trata a respeito dos direitos e deveres individuais e coletivos, e possui um detalhe interessante em seu caput que merece a devida atenção. Vejamos:
“Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à prosperidade, nos termos seguintes” (grifos nossos)
O artigo é bem rico de informações a se detalhar. De início, a Constituição trata todos os cidadãos de igual maneira perante a legislação pátria, sem qualquer tipo de diferenciação. Portanto, brasileiros natos, naturalizados, estrangeiros residentes e não residentes não podem possuir tratamento diferente pela lei.
Entretanto, determinadas diferenciações são possíveis. É possível que a lei gere benefícios a determinados grupos sociais que são desfavorecidos (como ocorre com as cotas). Também é possível uma diferenciação que permita a acessibilidade (como as vagas destinadas a deficientes) ou mesmo restrições de sexo, dependendo dos trabalhos que vierem a ser realizados (como no caso de contratação para polícia feminina).
Há ainda mais uma possibilidade: quando a diferenciação parte da própria Constituição. Não se trata de contradição, uma vez que a proibição de distinção entre cidadãos é dirigida à lei, e não à Constituição. Portanto, uma lei que gere distinções será inconstitucional (exceto se ocorrer como nos casos vistos acima, que se referem à proteção de outro princípio constitucional). De outro lado, a Constituição tem liberdade para propor as distinções que entender necessárias. É o que ocorre nas poucas diferenciações que existem entre brasileiros natos e naturalizados, conforme se verá adiante.
Ainda, o texto constitucional informa que os direitos individuais serão garantidos a todos os a) brasileiros, e, b) estrangeiros residentes no Brasil. Situação curiosa, portanto, aquela do estrangeiro não residente.
A doutrina mais tradicional, puxada por Pontes de Miranda, defende que os direitos individuais fundamentais decorrem de direitos jusnaturais, de caráter supralegal. Partindo desse pressuposto, o renomado autor concluiu, em análise parecida, que, não obstante o texto constitucional limitar os cidadãos, aplicar-se-ia a todos os seres humanos presentes em seu território.
Entretanto, há divergência doutrinária. José Afonso da Silva, por exemplo, discorda veementemente da existência de direitos de caráter supralegal. De acordo com ele, o texto da Constituição é claro ao definir os limites da sua aplicação: somente os brasileiros (tanto natos quanto naturalizados) e estrangeiros que possuem residência no País. O caso de estrangeiro não residente seria tratado, de acordo com esta doutrina, mediante acordos internacionais da qual o Estado brasileiro é signatário.
Por fim, quanto aos direitos fundamentais, a doutrina costuma classificá-los mediante o seu âmbito de proteção. A história do Estado surge num ambiente conflituoso. A presença do Estado surge como uma forma de evitar conflitos externos e conseguir uma certa estabilidade social. Por esse motivo, o Estado passa a ser imenso frente ao cidadão, um verdadeiro Leviatã, como Thomas Hobbes nomeia o seu mais famoso livro a respeito de ciência política.
Com a consolidação da figura do Estado e a diminuição das guerras entre os países, a estabilidade se mantém e a filosofia começa a convergir em relação aos direitos dos homens frente ao Estado. É a época da exacerbação da liberdade, do Estado não interventor, que tem como único papel manter a paz e deixar que os cidadãos vivam a sua vida livremente.
Os direitos fundamentais defendidos nessa época eram direitos individuais e, pela sua ordem cronológica, são chamados de direitos da primeira geração, ou primeira dimensão.
A situação começou a mudar com o advento da Segunda Revolução Industrial. A evolução tecnológica começa a acelerar e a distribuição de riquezas parece se concentrar cada vez mais na mão de alguns poucos. O contexto faz com que surjam greves e revoltas dos trabalhadores, brigando por melhores condições de trabalho.
O ápice se alcança com as duas Guerras Mundiais, que colocam o mundo num estado de crise sem igual. Nesse contexto, o Estado passa a agir de maneira ativa numa tentativa de reaquecer a economia e de forma a contribuir para uma melhor qualidade de vida de seus cidadãos. Esse Estado interventor, que reconhece a existência de indivíduos fragilizados e dependentes do suporte estatal, faz surgir os direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão.
Por fim, a doutrina ainda reconhece uma terceira dimensão ou geração de direitos fundamentais. Estes são os que compreendem a sociedade como um todo, não apenas pequenos núcleos. Independente da condição financeira ou do grau de escolaridade, todos os seres humanos interagem com o meio ambiente. Portanto, a preservação do meio ambiente se trata de um direito fundamental da terceira geração. Da mesma forma, todo indivíduo é um consumidor em potencial. Os direitos consumeristas se enquadram, portanto, em direitos fundamentais de terceira geração ou dimensão.
É interessante fazer um paralelo entre as dimensões (ou gerações) de direitos fundamentais e o lema da Revolução Francesa (época de referência para a formação do Estado Moderno) - Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Os direitos de primeira geração, pautados na abstenção estatal e na autodeterminação do indivíduo são também denominados direitos de liberdade.
Os de segunda geração, com o foco nos desprivilegiados, quando o Estado surge para corrigir desigualdades e atuar na melhoria das condições do povo, denominam-se direitos de igualdade. Por fim, quando o Estado surge para proteger a todos os cidadãos de maneira indiscriminada, nos direitos fundamentais de terceira geração, estamos diante dos direitos de fraternidade.